Muitas vezes criticado pela imprensa e pela opinião pública paraguaia, o diretor brasileiro da Itaipu Binacional, Jorge Samek, reconheceu, em entrevista ao canal paraguaio Telefuturo, não apenas que o Tratado de Itaipu pode ser flexibilizado, mas, também, que em ao menos uma ocasião, tal flexibilização já teria beneficiado o Brasil. O Diário Última Hora repercutiu a entrevista de Samek ao canal paraguaio, na qual o diretor brasileiro defendeu que a manutenção do Tratado tal como está hoje, com a venda do excedente de qualquer dos sócios podendo ser comprada apenas pela outra parte, ao preço estabelecido no Tratado, foi o que permitiu que Itaipu terminasse de ser construída.
“...o preço da energia de Itaipu é o preço estabelecido no Tratado. O que compra tem que pagar as obrigações que estão no Tratado, independentemente de que existem épocas em que a energia de Itaipu é muito cara e épocas em que é mais barata”, expressou. “O que gerou as condições para que Itaipu fosse construída foi a obrigatoriedade estabelecida no Tratado de que toda a energia produzida em Itaipu, incluindo a que o Paraguai não consome, deve ser adquirida pelas empresas brasileiras, queiram ou não, ao preço estabelecido no Tratado”, complementou o diretor.
Os repórteres questionaram então: “por que não eliminar esse compromisso para o Brasil, porque não deixar sob a responsabilidade do Paraguai que coloque sua energia em outros mercados, cobrindo tanto o custo de produção quanto o financeiro?”. O que se seguiu foi uma série de respostas evasivas, nas quais Samek defendeu que a manutenção da condição atual do Tratado garante que a dívida da binacional poderá ser pago no tempo e forma previstos.
Após rebater ao menos três vezes os argumentos do diretor brasileiro e, por igual número de vezes, ter repetida a mesma pergunta, Samek afirmou que a postura brasileira sobre o tema não deriva somente do temor de que a dívida de Itaipu não possa ser paga, mas também ao fato de que o “Brasil tem uma tradição quando se fala de Tratados ou contratos: o Brasil cumpre, não faz modificações. Os investidores estrangeiros que querem ir ao Brasil veem como o Brasil se relaciona com seus contatos e seus contratos”.
“Acaso o Tratado já não foi modificado no passado?”, questionou o jornalista do canal paraguaio. Samek afirmou então que tais modificações foram, na verdade, melhorias no orçamento sócio-ambiental da entidade, dentro da autonomia orçamentária prevista no Tratado sem, no entanto, que tenha sido modificado “a essência do Tratado”. Diante desta resposta, Samek foi lembrado de que houve uma época em que Itaipu vendeu sua energia por um preço inferior ao necessário para cobrir os custos de produção e financeiros, contrariando, desta forma, a própria essência que há pouco alegava ser imutável.
Diante da informação, o diretor respondeu que “houve uma época, quando as 18 turbinas começaram a gerar energia, que não havia consumo no Brasil, nem no Paraguai. A economia estava muito mal. As empresas que tinham a obrigação de comprar, tanto a ANDE no lado paraguaio, quanto as empresas no lado brasileiro, disseram a Itaipu que não podiam pagar a potência ao preço estabelecido no Tratado. Deveriam pagar US$ 14,40 (por MW/h) e propuseram pagar US$ 10,00 e diferir a diferença para mais tarde, para quando a economia melhorasse. Assim se fez. E assim se gerou uma dívida de US$ 4 bilhões que foi diferida, não é uma dívida espúria como dizem alguns”.
A reportagem insistiu: “significa que na prática se flexibilizou o Tratado?”. A resposta de Samek foi positiva, lembrando que tal flexibilização ocorreu “pelos caminhos do Conselho de Administração. Ademais, isso está previsto no Tratado. Se há um problema, como ocorreu, porque não tínhamos condições financeiras de cumprir com o que está escrito, acorda-se uma mudança”. “E por que não se pode fazer o mesmo agora?” questionou a reportagem. “Pode-se. Se tem-se a necessidade e de alguma coisa se deve fazer, estamos abertos, não há nenhum problema”, respondeu Samek. Visando confirmar a resposta, o entrevistador insistiu: “então é possível flexibilizar o Tratado?”. A confirmação do diretor brasileiro veio em três palavras: “tudo é possível”.
O diretor brasileiro de Itaipu lembrou também que a dívida atual da entidade deriva em grande parte das duas grandes crises do petróleo, sobretudo a de 1981, quando a binacional realizou empréstimos pelos quais aceitou pagar taxas de juros de até 25,5% ao ano, em dólares. “Hoje, se revisamos isso podemos concluir que os funcionários da época que aceitaram essas taxas estavam loucos”, constatou o diretor.
Segundo Samek, o motivo que levou Itaipu a aceitar tais taxas foi o fato de que o Brasil havia comprometido seu orçamento na compra de petróleo, tornando-se necessário apelar para estes créditos para conseguir que a obra fosse finalizada. O diretor brasileiro de Itaipu disse acreditar que o encontro marcado para junho entre os presidentes do Paraguai e do Brasil, Fernando Lugo e Luiz Inácio Lula da Silva, respectivamente, pode resultar na apresentação de uma proposta mais concreta ao país vizinho.
Para ler a entrevista na íntegra (em espanhol), clique nos links: Parte I e Parte II.
(Por Fernando R. V. Fernandes, SopaBrasiguaia.com, 25/05/2009)