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passivos de hidrelétricas amazônia
2009-05-26

As hidrelétricas voltaram à pauta da imprensa nos últimos dias.  O assunto ressurgiu com a paralisação das obras da usina de Jirau (RO); com o anúncio feito pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), sobre a construção de sete usinas no rio Tapajós (PA) e com a desistência do governo brasileiro em construir a hidrelétrica de Santa Isabel, que seria feita no rio Araguaia (PA). Para explicar sobre os problemas dessas hidrelétricas e como foi o anúncio da desistência do governo da hidrelétrica de Santa Isabel, o site Amazonia.org.br convidou para um bate-papo dois especialistas em energia e meio ambiente: Telma Monteiro, pesquisadora da Associação de Defesa Etno-Ambiental Kanindé e Glenn Switkes, da organização International Rivers.

Amazonia.org.br - Podemos falar com algum grau de certeza que a hidrelétrica de Santa Isabel não será construída?
Telma:
O que ocorreu é que, na reunião da Câmara Técnica de Análise de Projetos do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, essa hidrelétrica era um dos itens da pauta, que foi colocado para o final da reunião, porque estávamos esperando o líder local. Quando se ia discutir esse item na pauta, o representante do Ministério de Minas e Energia se manifestou, dizendo que o governo tinha engavetado a hidrelétrica de Santa Isabel. Claro que a gente não tem nenhum grau de certeza, já que o governo voltou atrás naquilo que tinha estabelecido.  Porém acho que o anúncio tem uma relevância maior, já que foi feito durante a reunião, que foi toda gravada.  Eu estou tentando obter uma cópia da ata para que a gente possa se resguardar quanto ao que foi falado pelo representante do MME.

Podemos considerar esse anúncio como uma vitória da sociedade civil?
Glenn:
Eu tenho algumas observações.  Uma é que Santa Isabel já foi objeto de uma campanha internacional no inicio dessa década.  Conseguimos enviar mais de 21 mil e-mails para os diretores das empresas do consórcio, protestando contra a destruição do rio Araguaia para fornecer energia para as fábricas de alumínio, e depois o projeto foi engavetado pelo Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis], que exigiu estudos o âmbito de bacia.

A conclusão que eu tenho é que a decisão não representa uma grande inspiração por parte do setor elétrico em termos socioambientais, porque seria inconsistente com as outras ações que eles vêm tomando em toda a região amazônica.  Também não há nenhuma evidência de que seja uma ação para punir as empresas.  A única explicação é a de que eles querem cuidar das alianças políticas para a próxima eleição.  Eles acham que essa questão dos guerrilheiros é uma questão sensível.  Além disso, eles falaram que "nos próximos anos", isso não implica que o projeto está jogado no lixo.

Seria só um adiamento então, não um cancelamento?
Telma:
A questão dos restos mortais dos 58 guerrilheiros criou o fato para que o governo voltasse atrás.  Porém, isso é transitório.  Já existem recursos do governo para que, em três anos, eles façam o resgate desses restos mortais.  Eles falam que o engavetamento é de dez anos, mas o projeto pode voltar, se depois de três anos eles resgatarem os restos mortais. Mesmo que para isso se tenha que deslocar duas mil pessoas e 113 sítios arqueológicos - isso fica em plano secundário. A partir do momento que tivemos o resgate dos restos mortais, eu tenho certeza que a hidrelétrica volta na pauta do governo.

Não é um paradoxo, então...
Telma:
Não é não.  É uma decisão política. Neste momento o governo não quer o ônus de sepultar aquilo que foi morto pela ditadura. Neste momento, em que se preparam as eleições presidenciais, e a Dilma Rousseff participou da resistência, isso poderia colocar problemas na candidatura.  Mas essa é uma análise minha.

Outra hidrelétrica em pauta é Jirau.  Vocês acham que a licença de Jirau vai sair?
Glenn
: Infelizmente, o licenciamento ambiental já virou um bazar, uma coisa de conveniência.  Existe uma intimidade tão grande entre os empreendedores e Ministério do Meio Ambiente que eu não tenho nenhuma dúvida de que a licença saia. Também acredito que vão ter ações na justiça, que vão determinar se essas licenças são legais ou ilegais.

Carlos Minc já se pronunciou em favor das hidrelétricas na Amazônia, chamando quem questiona a necessidade dessas obras de "eco-demagogos".  O ministro precisa ler os pareceres dos seus próprios técnicos em termos do alto grau de impactos que hidrelétricas como Belo Monte causam para os ecossistemas e populações da região.  Se ele não conseguir aprender mais sobre este tema, seria o momento para ele se demitir e voltar para ser um político no Rio de Janeiro, em vez de ter um papel determinante como despachante de grandes obras do PAC na floresta amazônica.

É possível impedir essas usinas, ou o processo de licenciamento está em tal patamar que a construção delas é inevitável?
Telma:
Eu não acho inevitável não.  Nós temos muitos recursos que podemos usar, como as ilegalidades nas licenças e a chantagem que governo de Rondônia está fazendo para dar a licença estadual, por exemplo. Existem muitas outras ilegalidades que não foram exploradas pelas ações que estão correndo na justiça. E acho que a sociedade civil vai sim conseguir de alguma forma barrar essas hidrelétricas.

Na sexta-feira passada, a Aneel anunciou a construção de sete usinas no rio Tapajós.  Existem problemas e riscos nesse projeto?

Glenn: São sete hidrelétricas do rio Tapajós e um tributário que é o rio Jamanxim.  Se esse plano for levado a diante, a bacia do Tapajós vai se tornar o rio com a maior quantidade de grandes hidrelétricas do país. Eu estive lá há 15 dias e existem alguns problemas sérios na instalação dessas barragens.  A barragem São Luis, que seria a maior, seria construída dentro do Parque Nacional da Amazônia. O parque chega até a beira do rio, eles teriam que entrar no parque para fazer as obras. Segundo uma informação que tenho, já há negociações entre o MMA e MME para permitir essa construção dentro do parque, que é um dos lugares do planeta que tem maior diversidade de mamíferos, é um parque importante.

A Eletrobrás está dizendo: "vamos construir de uma maneira nova, como se fosse uma plataforma de petróleo.  Vamos construir uma estrutura e trazer os funcionários de helicóptero".  Estamos falando de 15, 20 mil pessoas trabalhando!  E eles vão trazer todos de helicóptero?  Eles têm mapas ridículos, mostrando o que eles chamam de uma "incisão cirúrgica na floresta" para a construção da barragem.  É uma grande farsa. Nós nos reunimos em Itaituba com índios Mundurucu.  E eles estavam pintados, de arco e flecha, dizendo que não vão permitir a construção de hidrelétricas no Tapajós.  Fomos nós que trouxemos informação para os índios, e as pessoas do local estavam em choque, porque Eletrobrás nem conversou com eles sobre esses projetos e já está anunciando sete hidrelétricas que transformariam o rio em um caos.

Muitos especialistas dizem que existem alternativas às hidrelétricas na Amazônia.  Por que o governo não as coloca em prática?
Glenn:
O país está numa situação muito tranqüila em termos de energia.  A gente vê algumas indicações disso, mesmo sem grandes iniciativas para melhorar a eficiência energética, que a gente acha que deve ser prioridade absoluta. O crescimento da demanda vai ser muito menor do que o que foi colocado no último plano decenal. Porém, o setor elétrico não aceita isso. Eles colocam o Brasil na contramão da maioria das grandes economias do mundo, que conseguem gerar crescimento do PIB sem crescimento igual em energia.

Mas a gente vê leilões de energia eólica, novas lei para instalação de sistemas de aquecimento de água nos prédios públicos em São Paulo e outras cidades.  Acho que os tempos estão mudando.  O que não mudou foram as construtoras de barragens e os interesses do setor elétrico.  O país não precisa de uma usina de Belo Monte, não precisa de uma hidrelétrica Tapajós.  Vamos ver se conseguimos mudar esse conceito na sociedade brasileira.

Telma: a gente precisa desvincular essa questão de crescimento econômico com a necessidade de geração de energia.  Esse é o discurso do governo, que não aceita que possa existir crescimento desatrelado da geração de energia.  Esse discurso oficial já chamou de alternativa as usinas termelétricas, nucleares.  É a eterna lógica do aumento de energia combinada com lobistas de grandes empreiteiras e multinacionais.  A gente tem que começar a questionar isso, tem que mostrar de algumas formas que desenvolvimento não é só gerar energia.

(Por Bruno Calixto, Amazonia.org.br, 25/05/2009)


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