Mapa mostra que caminho de cargueiros corresponde a pontos críticos de poluição. Pesquisadores da empresa CLS usaram imagens de radar feitas pelo satélite europeu de monitoramento do ambiente Envisat
Um mapa criado com imagens de satélite obtidas ao longo de sete anos flagrou um dos maiores poluidores ocultos do planeta: os milhares de navios que cruzam os oceanos, invisíveis da maioria das pessoas. Dois pesquisadores da empresa francesa CLS usaram imagens de radar feitas pelo satélite europeu de monitoramento do ambiente Envisat e produziram uma imagem da densidade das rotas de navios em torno da Europa. A concentração de navios correspondeu perfeitamente aos pontos críticos de poluição sobre o continente por óxidos de nitrogênio, em geral também associados a áreas de intensa industrialização (veja quadro nesta página). Esses compostos lançados no ar, quando combinados com água, podem produzir chuva ácida.
É a primeira vez que dados de detecção por satélite de navios por um período extenso são usados para criar uma visão global dos padrões de tráfego marítimo. O mapa foi feito por Vincent Kerbaol e Guillaume Hajduch. CLS é a sigla para Coleta Localização Satélites, nome da companhia subsidiária da agência espacial francesa CNES e do instituto de pesquisa oceanográfica Ifremer. Eles usaram imagens feitas pelo instrumento conhecido como Asar, o radar de abertura sintética do satélite. Esse tipo de radar usa o movimento da sua plataforma -no caso, um satélite- para criar uma longa "antena" virtual e produzir imagens detalhadas. O Envisat é o maior satélite de sensoriamento remoto ambiental já lançado até agora.
Portos
A densidade do tráfego e a poluição foram particularmente elevadas em torno dos portos de maior atividade no norte do continente europeu, como Calais (França), Antuérpia (Bélgica), Roterdã (Holanda), Bremen e Hamburgo (Alemanha). Ironicamente, os navios são o meio de transporte mais eficiente em termos de uso de energia e capacidade de carga. Mas, para serem ainda mais econômicos, costumam usar combustíveis de pior qualidade que são grandes emissores de poluentes, como óxidos de enxofre e nitrogênio. O combustível de um navio cargueiro pode ter até 2.000 vezes mais enxofre do que o óleo diesel usado em automóveis na Europa.
A poluição não afeta apenas peixes, pois a maior parte da emissão é feita perto da terra. Graças a isso, várias cidades portuárias sofrem mais com a poluição marítima do que com as emissões de seus próprios carros e indústrias. Um relatório recentemente divulgado pela agência americana Noaa (Administração Nacional Oceânica e Atmosférica) mostrou que os milhares de navios navegando em torno dos portos do sul da Flórida, muitos deles de cruzeiros, criam uma "preocupação de saúde significativa para as comunidades costeiras".
Segundo Daniel Lack, pesquisador da Noaa e da Universidade do Colorado, os cerca de 51 mil navios mercantes hoje navegando emitem um volume de poluentes particulados equivalente a 300 milhões de automóveis (metade da frota de veículos de todo o planeta). Estatísticas sobre navios em operação são pouco precisas; contando embarcações menores, o número atingiria 90 mil. Esses particulados são levíssimos, por isso podem permanecer por dias na atmosfera e serem levadas a dezenas de quilômetros de onde foram emitidas. E elas podem causar desde uma irritação nos olhos e no nariz até agravar problemas respiratórios, como asma.
(Ricardo Bonalume Neto, Folha de S. Paulo, 25/05/2009)