Queda no preço do aço compromete construção de usina siderúrgica no Pará, anunciada pela companhia em 2008. Projeto envolve US$ 3,3 bi em investimentos; para o governo, siderúrgica é importante por agregar valor a ferro extraído no PA
A pisada no freio da Vale em seu plano de investimentos, anunciada na semana passada, aumenta as dúvidas sobre um dos projetos da empresa que mais atraem o interesse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: a construção de uma siderúrgica no Pará. A queda no preço do aço, de 30% desde o início da crise, enterrou as chances de viabilidade econômica da usina, afirmam especialistas. Se o projeto já tinha uma margem baixa quando o preço do aço estava nas alturas, agora, com o atual valor, deixa de ser viável. E o preço projetado para o futuro também está longe de viabilizar a usina. A expectativa de analistas é que o preço do aço só se recupere no ano que vem, com alta de 5% -insuficiente para retomar o patamar pré-crise.
Embora a siderúrgica esteja prevista para a vizinhança de uma das melhores reservas de minério de ferro do mundo -Carajás-, o fornecimento de alguns insumos seria complicado pela falta de logística, o que encareceria o aço. A construção da siderúrgica no Pará havia sido anunciada pelo presidente da companhia, Roger Agnelli, no ano passado. Os investimentos previstos eram de US$ 3,3 bilhões. Naquele mês de agosto, os preços do minério e do aço eram recordes, e a Vale vinha desenvolvendo uma estratégia de participar de siderúrgicas em parceria com grandes clientes, mas como minoritária. Para anunciar o projeto do Pará, a Vale, diferentemente do que costumava fazer, não esperou fechar parceria com nenhuma siderúrgica.
Há duas semanas, em reunião com a governadora do Pará, Ana Júlia, e Agnelli, Lula voltou a tocar no assunto siderúrgica. Disse a Agnelli que era "importante agregar valor ao ferro extraído no Estado". Questionada sobre o andamento do projeto, a Vale informou que "está mantida a estratégia de longo prazo de atrair novos projetos siderúrgicos para o país para fortalecer o setor siderúrgico nacional e, consequentemente, aumentar a venda de minério de ferro".
Ronaldo
A Vale veiculou na China, na semana passada, um anúncio com o jogador Ronaldo vestindo a camisa da seleção. As informações são do site britânico SBB (Steel Business Briefing), que cobre siderurgia. No anúncio, a empresa diz que o Brasil apoiou o desenvolvimento da China nas últimas três décadas. A campanha é classificada pelo SBB como "ofensiva de charme" da Vale. A campanha também prevê a publicação de anúncio no jornal "Diário do Povo", descrito pelo SBB como "os olhos e ouvidos do governo chinês".
O SBB observa que as relações da Vale com as siderúrgicas chinesas se deterioraram desde setembro, quando a mineradora, aproveitando o aquecimento do mercado, tentou arrancar um reajuste de 13% no preço do minério. A exigência contraria uma prática do setor, segundo a qual o minério só era reajustado uma vez por ano. Em fevereiro de 2008, a Vale já havia reajustado o preço em 65%.
Mas agora, com a crise, a Vale se esforça para segurar o preço do minério. Hoje, vende com desconto de 20%. "Os chineses querem derrubar em 30%", diz o analista de mineração Gilberto Cardoso, do Banif Securities. "A China é nosso maior cliente e, como todas as demais mineradoras globais, temos uma política de posicionamento de imagem naquele mercado", informou a Vale sobre o anúncio.
(Por Samantha Lima, Folha de S. Paulo, 24/05/2009)