Há algum rincão na Amazônia em que não haja situação de tensão pelo controle do território e os recursos lá existentes? A oeste do Pará, região banhada pelo principal rio da Amazônia, o Amazonas, incidem situações entre comunidades tradicionais e as grandes corporações de mineração, de monocultivos e projetos de geração de energia. Lá a empresa Mineração Rio do Norte (MRN), com controle acionário do grupo Vale em associação com a BHP Billiton, Alcan, CBA, Alcoa Alumínio, Alcoa Word Alumínio, Nork Hidro do Brasil e a Abalco extrai a matéria prima para a produção de alumínio, a bauxita, faz mais de três décadas.
A atividade protagonizou o desastre ambiental do Lago do Batata, com o depósito dos rejeitos do processo da extração mineral por uma década (1979 a 1989). O desastre do Lago do Batata é considerado um dos mais graves acidentes ambientais da Amazônia. Na mesma região a Cargil é responsável pelo monocultivo da soja e a Alcoa ergue uma planta industrial para a extração de bauxita no município de Juruti. A extração é responsável pela derrubada de cerca de 300 hectares de floresta por ano. O empreendimento conta com o financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Em oposição a processos de implantação de grandes projetos na região os segmentos contrários realizam seminários, fóruns e distribuem através da internet manifestos, relatórios e denúncias sobre as expropriações que sofrem as comunidades consideradas tradicionais.
Irene Pinheiro, que integra o movimento quilombola de Oriximiná. 48 anos, mãe de três filhos a caçula com 15 anos, a segunda com 21 e o terceiro com 23, separada, graduada em ciências sociais fala ao Fórum Carajás sobre as dinâmicas econômicas, sociais e políticas da região. Irene anima o movimento de mulheres da região do Baixo Amazonas. É uma quilombola da comunidade Irepecuru Cuminá. A militante esteve em Belém, entre os dias 13 a 15 de maio para participar do encontro da coordenação do Fórum da Amazônia Oriental (FAOR), que reuniu organizações sociais do Maranhão, Pará, Tocantins e Amapá, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Foi lá que conversamos sobre a comunidade de Irene, as folias, as pelejas e as lutas sociais travadas na região.
Fórum Carajás - A qual comunidade você pertence?
Irene Pinheiro - Erepecuru Cuminá. São mais de 300 famílias. Em nossa cena cultural mantemos a folia chamada de aiué. Foi a família do meu pai que ajudou a multiplicar. Lembra a festa de São Benedito. Realizamos sempre em janeiro. É uma dança.
Há outras manifestações?
Irene - Temos ainda o lundu, a mazurca e a desfeiteira...
O que é a desfeiteira?
Irene - Funciona como se fosse um desafio. Tem os casais. Um diz um verso para o outro e o rival tem de responder. Isso com música e dança rolando.
Como é a produção nas comunidades?
Irene - Tem ainda muita castanha do Brasil. É a base. Temos a cooperativa que ajuda na organização. Mas, não conseguimos inserir a mesma e seus derivados na merenda escolar. A agricultura familiar com a produção de macaxeira e lavoura branca serve como forma de subsistência. Algumas famílias produzem peixes e quelônios.
Como anda a agenda da luta da mulher na região?
Irene - Temos em nossa agenda a criação de conselhos da condição feminina e das delegacias das mulheres. Há problemas culturais com o machismo. Isso se reflete nas estruturas de poder nos diferentes níveis da administração pública e na justiça.
Já existem delegacias especiais na região?
Irene - Existe em Oriximiná, resultado de um seminário sobre políticas públicas. Há uma delegada, mas ela não tem atuado como delegada da mulher. Isso limita a nossa ação. A rotina acaba empurrando a ação da delegada para outros rumos.
E com relação às questões ambientais, quais as principais demandas?
Irene - Temos demandas com a empresa chamada Rio Tinto (anglo-australiana) no município de Monte Alegre, Óbidos e Alenquer. Vai explorar bauxita do lado direito do rio Amazonas, no rio Curuá. A Alcoa (estadunidense) encontra-se no município de Juriti na exploração de bauxita e a Mineração Rio do Norte (MRN), explora o mesmo minério em Oriximiná tem mais de trinta anos. Estes são alguns dos grandes projetos na região, sem falar na soja da empresa Cargil em Santarém, cidade pólo. Tem-se ainda vários projetos de hidrelétricas para o rio Tapajós.
Quais os impactos sociais e ambientais que você nota por conta desses grandes projetos?
Irene - Temos o assoreamento dos rios, a redução do pescado e a derrubada de floresta. Isso ocorre conforme as empresas avançam sobre os platôs, em particular na derrubada das castanheiras. Tem o histórico acidente do Lago do Batata, onde os rejeitos da extração foram depositados por 10 anos.
Como anda o lago hoje?
Irene - Recuperou um pouco. Mais não é como era antes. Nunca mais vai ser.
A Vale faz associação com as comunidades?
Irene - Faz umas coisas pontuais na cidade. A empresa tem uma tal de agenda 21 lá. O que a empresa faz muito na cidade é doar um computador aqui outro ali, um carro para a secretaria da prefeitura. Há casos na zona rural da empresa implanta uma criação de alevinos...é isso...É tudo pouco. Muito pouco.
Há uma agenda hoje do movimento quilombola da região do Baixo Amazonas?
Irene - Hoje não temos uma agenda bem definida como era antes, como a briga pela titulação das nossas terras ancestrais. Ainda temos essa agenda pela titulação, legalização das associações quilombolas e por política de geração de renda.
E a agenda quilombola com o governo do Pará?
Irene - As comunidades quilombolas através da EMATER buscam uma política de assistência técnica especifica. Estamos construindo isso. Temos ações pontuais. As mulheres possuem mais ações. As mulheres quilombolas predominam na cena do movimento de mulheres.
Você pode explicar melhor?
Irene - Os grupos parecem mais organizados. Temos ações em todos os municípios da região. Hoje estão desenvolvendo no setor de produção atividades com defumados (galinha, porco e peixe) e com derivados da castanha. É uma forma de conservar alimentos e agregar valor. Não temos energia. Tem um experimento de defumados na comunidade de Santa Rita. O trabalhão é feito através da Associação das Associações das Comunidades Quilombolas, paróquias, sindicatos, pastorais sociais, etc.
Existe uma representação que congregue esse povo todo?
Irene - É a Associação das Organizações das Mulheres Trabalhadoras do Baixo Amazonas, ela atua em 13 municípios da região, através de 32 organizações associadas. Temos uma assembléia anual e é nesse espaço que avaliamos as nossas ações e realizamos o nosso planejamento. A associação integra o colegiado do Território da Cidadania. Através da política estamos buscando ações afirmativas na geração de renda. Em nossa agenda há a realização da primeira feira da produção feminina do oeste do Pará. O indicativo é que ela se realize em setembro no município de Santarém. Já realizamos três reuniões e estamos consolidando as parcerias.
Quais as linhas de atuação do movimento de mulheres?
Irene - Temos a preocupação de emprego e renda, questão de gênero, violência contra a mulher e o empoderamento da mulher em todo o Baixo Amazonas. O nosso movimento do município de Oriximiná a ênfase é a família quilombola.
(Por Rogério Almeida, Fórum Carajás / Adital, 20/05/2009)