Mencione a gigante do petróleo Chevron a Anita Ruíz, e ela tremerá de ódio. Em seu casebre de madeira na Amazônia, onde as chamas de um projeto de exploração de petróleo iluminam a noite, ela aponta um retrato do seu filho caçula, que morreu há sete anos, de leucemia, aos 16. "Achamos que os americanos do petróleo criaram a poluição que matou meu filho", disse Ruíz, 58, que vive numa clareira onde a Texaco, empresa adquirida em 2001 pela Chevron, certa vez despejou dejetos em poços que décadas antes eram usados para a extração do petróleo.
Os funcionários da Texaco se foram há muito tempo, mas uma substância escura e viscosa ainda aflora no local e em dezenas de outros lugares do nordeste do Equador. Hoje em dia, os únicos empregados da Chevron que visitam os antigos campos petrolíferos, numa região onde há enorme ressentimento contra a empresa, chegam escoltados por guardas.
Eles representam um dos lados em uma luta que está se transformando no maior processo judicial do mundo por questões ambientais, com uma indenização que pode alcançar US$ 27 bilhões. A sentença deve ser proferida neste ano no pequeno tribunal de Lago Agrio. Não é difícil identificar as inclinações do juiz Juan Nuñez. "Esta é uma luta entre um Golias e pessoas que não conseguem nem pagar suas contas", disse Nuñez, 57. Mas sua sentença não deve encerrar o caso. A disputa já motiva um intenso lobby em Washington, que pode pressionar o Equador em nome da Chevron. Se a empresa perder, deve apresentar recursos e eventualmente buscar uma arbitragem internacional.
A Texaco chegou ao Equador na década de 1960 e começou a produzir petróleo no começo dos anos 70, quando o país estava sob regime militar. Uma tensão política cercou o período em que ela operou em parceria com o governo, e na época em que a empresa se preparava para partir, no começo da década de 1990, era preciso limpar o que restou das suas operações. Então a Texaco fez um acordo de US$ 40 milhões com o governo para recuperar parte dos poços com detritos, isentando-se de futuras responsabilidades. Mas essa limpeza não solucionou a questão como a Texaco esperava.
Moradores da região se convenceram de que estavam adoecendo por causa da poluição deixada e abriram um processo em 1993 nos EUA. O processo foi arquivado, sob a alegação de que não poderia tramitar numa corte norte-americana, e os autores moveram uma nova ação no Equador. Hoje em dia, a Chevron absorveu a Texaco, e o Equador passou por uma metamorfose sob o governo do esquerdista Rafael Correa, que se alinhou aos queixosos, qualificando o passado da Chevron no país como "crime contra a humanidade".
Quase todos os detalhes do caso são contestados, exceto um: tanto a Chevron como os reclamantes concordam que a expansão da exploração do petróleo no nordeste do Equador estragou uma floresta tropical antes intocada. Mais de quatro décadas depois, é inevitável encontrar sinais de contaminação junto aos antigos poços de Lago Agrio e arredores. Algumas lagoas com detritos continuam expostas ao sol, vazando para sistemas hídricos próximos. Outros poços, ostensivamente limpos pela Texaco depois que a empresa entregou as operações à estatal local de petróleo, têm poluentes perto da superfície.
A Chevron alega que não pode ser responsabilizada por danos provocados pela estatal Petroecuador. Já os autores da ação argumentam que os sistemas implantados pela Texaco permitiram que a Petroecuador continuasse poluindo. Se a Chevron não está de acordo com isso, disse Steven Donziger, advogado dos reclamantes, deveria processar a Petroecuador.
A Chevron reagiu com advogados e lobistas, usando defensores muito bem pagos, como Mickey Kantor, ex-representante comercial dos EUA, para pressionar o governo de Barack Obama a cancelar preferências comerciais do Equador, alegando que o país teria violado seu acordo para absolver a empresa petrolífera das suas responsabilidades. "Não posso garantir o que a Texaco fez há 42 anos, há 40 anos ou há 35 anos", disse Kantor. "Só sei que eles gastaram US$ 40 milhões para limpar. Receberam uma liberação assinada pelo governo do Equador e pela Petroecuador."
José Guamán, 62, vive perto de um poço que já foi operado pela Texaco. Mostrando sua propriedade a um visitante, ele apontou um buraco com dejetos, hoje coberto, onde sua esposa María certa vez caiu, para voltar coberta de uma lama preta. Ela morreu aos 45 anos, deixando dois filhos, por causas que Guamán afirmou desconhecer. "Mas se tem uma coisa que eu sei é que o petróleo amaldiçoa quem o toca", disse Guamán. "Se isso vale para nós, então deveria valer para os norte-americanos também." Nas selvas do Equador, um legado tóxicoNas selvas do Equador, um legado tóxico
(Por Simon Romero e Clifford Krauss, Folha de S. Paulo, 25/05/2009)