A previsão do tempo indica que só em julho as chuvas vão cessar na região Nordeste, segundo informações do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC). Mas o prejuízo causado à infraestrutura pelas águas nos últimos 45 dias já chega a R$ 1,2 bilhão, de acordo com levantamento feito pelo Valor nos Estados. No setor produtivo, são pelo menos outros R$ 300 milhões apenas na agricultura e no cultivo de peixes, pelas estimativas do Banco do Nordeste. As enchentes já provocaram 45 mortes na região e deixaram 254 mil pessoas desabrigadas. De acordo com o CPTEC, desde 1985 as águas não eram tão severas com a região Nordeste.
Quando as águas baixarem, rodovias, pontes e tubulações são as estruturas que mais vão demandar recursos públicos. Só em Alagoas, para reparar duas adutoras no interior danificadas pelas enxurradas, o governo terá de desembolsar R$ 300 milhões. Segundo Antonio Fernando, superintendente do interior da Casal, empresa de saneamento de Alagoas, hoje há três cidades sem água: Poço das Trincheiras, Maravilha e Ouro Branco. A adutora que abastece os municípios passa pelo rio Ipanema, que está com o nível elevado por conta das chuvas.
"Estamos esperando que o nível caia para podermos recuperar a adutora", explica Fernando. Ainda não há previsão sobre quando isso será possível. Em Maceió, o problema tem sido o tratamento da água, já que a inundação carregou resíduos sólidos para a barragem que abastece 20% da cidade. No Maranhão, o maior transtorno na infraestrutura está nas estradas. Foram 1,2 mil km de rodovias danificadas, de uma malha total de 6 mil km. O governo prevê que precisará de R$ 180 milhões só para fazer um conserto emergencial. O reparo total pode chegar a R$ 400 milhões.
A reconstrução das cidades e de suas interligações não será uma tarefa nada simples que os governadores terão pela frente. Isso porque as enchentes invadiram o Nordeste em um ano de crise econômica, em que os repasses aos Estados e municípios - importantes fontes de renda na região - estão minguando. A arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) também não cresce conforme previsto. Se em um ano normal o trabalho não seria pouco, em meio à turbulência os administradores terão de suar para conseguir o dinheiro necessário para reeguer suas cidades.
Em Pernambuco, os recursos procedentes do Fundo de Participação dos Estados (FPE), que representa um terço da receita estadual, sofreram uma queda de 5% nos quatro primeiros meses do ano ante igual período de 2008. No Ceará, o cenário é o mesmo. No Piauí, as transferências representam metade das receitas. Esse também é o caso do Estado de Alagoas. No Maranhão, segundo informações divulgadas pelo governo, a crise fez com que as receitas com o ICMS caíssem 9,3% no primeiro quadrimestre do ano, ante igual intervalo de 2008. No FPE, a redução foi de 4,2%.
Na semana passada, o governo federal editou uma medida provisória, que prevê a liberação de R$ 800 milhões para as regiões atingidas tanto pelas chuvas, caso do Nordeste, quanto pelas secas, que acontecem no Sul. O volume fica abaixo do R$ 1,2 bilhão que os Estados nordestinos estão calculando como danos até o momento. E, se as nuvens não forem embora, o prejuízo tende a se agravar ainda mais.
"As chuvas causaram grande impacto na vida das pessoas. Destruíram moradias, ruas, postos de saúde. A vinda dos recursos federais ajudará muito na recuperação das cidades", diz Valmir Assunção, secretário de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza da Bahia. A Bahia estima que será necessário investir R$ 83 milhões para recuperar a infraestrutura danificada no Estado pelas cheias. Há 15 municípios com situação de emergência decretada, num total de 1,2 mil famílias desabrigadas. O dia mais crítico, segundo Defesa Civil do Estado, foi 5 de maio, quando as enchentes praticamente paralisaram a cidade de Salvador.
Em Sergipe, onde oito municípios foram afetados, o governo pretende agora usar os recursos federais já pensando na possibilidade de mais anos chuvosos pela frente. "É preciso fazer um bom trabalho de dragagem para evitar novas tragédias", diz o capitão Alexandre José Alves Silva, gerente de planejamento da Defesa Civil de Sergipe. O projeto de dragagem ainda está sendo estudado, por tanto não há ainda previsão de valores de investimentos. Segundo a Defesa Civil do Estado, 700 pessoas tiveram que deixar as casas e há 450 desabrigados. Duas pessoas morreram, uma em Aracaju e outra em Estância, cidade que já decretou estado de emergência. Casas, rodovias, serviços de água, luz, telecomunicações e pontes foram afetados pela enxurrada e por deslizamentos de terra em todo o Estado.
O Piauí possui 44 cidades afetadas pelas enchentes, problema que afetou a vida de quase 94 mil pessoas. O Estado contabiliza 65,7 mil desalojados e 28 mil desabrigados. Os municípios mais atingidos são Esperantina, Barras, Campo Maior e a capital Teresina. Piauí é o único Estado que não teve vítimas fatais das enchentes. Para recuperar todos os estragos causados pelas águas, o governo piauiense calcula que precisará investir R$ 600 milhões. No setor produtivo, as perdas também não serão facilmente recuperadas.
Região brasileira onde o peso da indústria é menor, a chuva no Nordeste tem deixado suas maiores marcas no cultivo de frutas, feijão, soja, algodão e na carcinicultura. "Calculamos que cerca de 40% da produção agrícola foi afetada", diz Paulo Sérgio Ferraro, diretor de negócios do Banco do Nordeste. "O maior dano está na agricultura e na pesca, porém fica difícil mensurar o tamanho do prejuízo que a região sofreu. Sentimos que ele se estende até ao serviços", avalia o executivo.
A instituição está renegociando a dívida de agricultores e outros empresários que tiveram prejuízo com a seca. No caso dos pequenos agricultores, as parcelas que vencem até setembro foram prorrogadas para outubro. Para os grandes fazendeiros, as negociações estão sendo feitas caso a caso. Duas linhas de crédito de R$ 190 milhões também foram colocadas à disposição dos municipios afetados pelas águas para ajudar na reconstrução da economia. De acordo com Tom Prado, presidente da Câmara Setorial da Fruticultura do Ceará, cerca de 30% dos melões, abacaxis e cajus plantados no Estado foram deteriorados pela chuva. E nem vender o que sobrou tem sido fácil. "As estradas estão mais esburacadas do que nunca, o que inviabiliza as viagens noturnas. Só espero que as águas não deixem como lembrança às plantações fungos e bactérias", diz.
Em algumas áreas, a chuva não destruiu as frutas, mas já compromete a próxima safra. É o caso do Vale do São Francisco, onde se está em período de poda das videiras. O fazendeiro que podou as plantas e foi surpreendido pelas águas já sabe que não colherá bons frutos. Em Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), principal cidade do polo do Vale, as chuvas do fim de semana foram bastante intensas.
Em crise desde 2003, por causa de pragas e brigas comerciais, os criadores de camarão estão sofrendo com as chuvas. Dos 19,7 mil hectares de criação de camarão que há no Nordeste, 3,3 mil hectares foram afetados, segundo a Associação Brasileira dos Criadores de Camarão (ABCC). No Piauí, no Maranhão, no Ceará e no Rio Grande do Norte, a água cobriu cerca de 40% dos tanques. "Estamos com perdas de R$ 90 milhões e mais ainda deve estar por vir, porque em muitas regiões os criadores estão ilhados, sem acesso nem a ração", afirma Itamar Rocha, presidente da ABCC.
O setor de extrativismo também enfrenta dificuldades, principalmente no Estado do Rio Grande do Norte, produtor de sal e de petróleo. De acordo com a Petrobras, foram fechados 315 dos 4.317 poços da empresa no Estado. Por seis dias, a Estrada de Ferro Carajás, da Vale, também ficou interditada por causa de uma inundação. Para voltar a trafegar pela via, a empresa teve de construir dois diques de 850 metros cada. O trabalho envolveu 500 homens e foram necessários 56 mil sacos de areia. Calcular o prejuízo final das chuvas só será possível quando as nuvens saírem da região Nordeste. A expectativa do CPTEC é isso aconteça em julho. "Desde fevereiro, dava para perceber que o período de chuva seria longo, mas não imaginávamos que fosse tão longe", diz José Fernando Pesquero, meteorologista do CPTEC.
(Por Carolina Mandl e Samantha Maia, Valor Econômico, 25/05/2009)