O Peru, segundo país latino-americano com maior extensão de florestas tropicais, adotou instrumentos internacionais, leis e estratégias para proteger sua riqueza de fauna e flora. Entretanto, tais ações ainda não pesam na balança. As autoridades do Peru se apressam em dizer que este foi um dos primeiros países da América Latina a criar estratégias de governo locais para reduzir a perda de diversidade biológica. “Tornamos isso possível em 1999, mesmo antes do Brasil”, disse ao Terramérica Maria Luisa del Rio, diretora de Diversidade Biológica do Ministério do Meio Ambiente.
Porém, estudiosos e críticos garantem que o maior problema é a implementação desses planos, neste país que é considerado um dos mais importantes do planeta por sua riqueza de ecossistemas, espécies, recursos genéticos e culturas ancestrais. Os cientistas calculam que o Peru possui cerca de 25 mil espécies de flora, ou 10% da existente no mundo; cerca de duas mil espécies de águas marinhas e continentais, e 1.816 espécies de aves. O território peruano, amazônico, andino e com litoral oceânico, conta com 84 zonas de vida, das 104 identificadas no mundo, e 17 pisos ecológicos, uma riqueza que surpreendeu pesquisadores como o botânico britânico David Bellamy.
“O Peru é um país com surpreendente diversidade em termos humanos e biológicos. É um fato que possui entre 82% e 84% do mundo biológico. Se pudéssemos salvar o Peru, poderíamos reabilitar o resto do mundo a partir deste país”, disse à imprensa Bellamy, cofundador da Conservation Foundation. Este patrimônio natural se viu ameaçado nos últimos anos pela extração de recursos naturais. Mais de 200 espécies podem desaparecer. O diretor de Assuntos Internacionais e Biodiversidade da Sociedade Peruana de Direito Ambiental (SPDA), Manuel Ruiz, assegura que, além da expansão da fronteira agrícola, intensificou-se a extração artesanal de minerais, a exploração de hidrocarbonos e o desmatamento na Amazônia.
“O Peru assinou quase todos os instrumentos internacionais para proteger a biodiversidade, mas falhou na prática porque o Estado não funciona para proteger seus recursos no campo e estabelecer sistemas de vigilância que dêem vida aos contextos normativos”, assegurou Ruiz. Não deveria haver uma dicotomia entre a promoção do investimento privado e a proteção da biodiversidade, afirmou. O problema é “a debilidade” das instituições responsáveis. Da superfície amazônica peruana, 72% coincidem com planos de exploração de hidrocarbonos, segundo a pesquisa “Os projetos de petróleo e gás na Amazônia ocidental: uma ameaça à vida silvestre, à biodiversidade e aos povos indígenas”, publicada em 2008 na revista científica PLoS ONE.
Entre 2002 e 2007, as concessões para mineração cresceram mais de 70%, devido à promoção de investimentos e ao elevado preço internacional dos minerais. Ao mesmo tempo, também aumentavam as denúncias de contaminação de comunidades camponesas e nativas. Mas o governo expressou preocupação, sobretudo, pela mineração artesanal na oriental região de selva de Madre de Dios, onde foram destruídos 150 mil hectares de floresta e lançadas no meio ambiente 32 toneladas de mercúrio, segundo dados oficiais. Por isso, as autoridades suspenderam por dois anos a concessão de novas autorizações de exploração nessa área.
O ex-titular do Instituto Nacional de Recursos Naturais, José Luis Camino, disse, em 2008, que os administradores regionais concederam 4.200 autorizações para extração de madeira para ser usada pelas comunidades, mas toneladas de cedro e peroba acabaram vendidas para o exterior. Del Rio, diretora de Diversidade Biológica, admitiu ao Terramérica que há problemas por causa de certas atividades econômicas na Amazônia. Contudo, o avanço histórico, disse, foi criar uma instância de maior nível, o Sistema Nacional de Áreas Naturais Protegidas.
Além disso, insistiu a diretora, estão sendo aplicadas estratégias regionais nos departamentos de Loreto e San Martín, norte do país, que aprovaram, este ano, decretos para reduzir a perda de riqueza natural. As outras cinco regiões que criaram estratégias específicas são Ucayali, no leste, Amazonas, Cajamarca e Tumbes, no norte e noroeste, e Junín, no centro-sul. Porém, ainda não as aplicaram. O Peru tem 60 áreas naturais protegidas, que incluem cerca de 20 milhões de hectares, o que representa quase 15% de seu território.
Ruiz acredita que o governo deve priorizar a proteção dessas áreas e consolidar os “bionegócios”, para “que se possa aproveitar a riqueza biológica”. O departamento de Diversidade Biológica do governo, disse Del Rio, está empenhado em um estudo para demonstrar o quanto pode ser rentável a preservação do patrimônio natural.
A cada 22 de maio é celebrado o Dia Internacional da Diversidade Biológica. Os governos do mundo se comprometeram a reduzir drasticamente a perda de biodiversidade até 2010, meta que, já se sabe, não será atingida. Para alcançá-la, foi implementada a Contagem Regressiva 2010, coordenada pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) e destinada a mobilizar governos, empresas e sociedade rumo a esse objetivo vital. A Lista Vermelha da UICN registrou, em 2008, mais de 16.900 espécies com algum grau de risco de extinção.
(Por Milagros Salazar*, IPS / Envolverde, 23/05/2009)
* A autora é colaboradora do Terramérica.
Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.