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direitos quilombolas terras quilombolas
2009-05-25

O secretário-executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz, da Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros (CNBB), e ex-presidente da Fundação Cultural Palmares, Carlos Moura, analisou, na entrevista que concedeu à IHU On-Line, a questão dos quilombolas. Ele nos explicou, na conversa que tivemos por telefone, que o maior problema que essas comunidades estão enfrentando hoje se relaciona à questão da terra. Assim, Moura destacou questões culturais de comunidades quilombolas e como essa cultura está sendo preservada atualmente, de modo que seja reconhecida e valorizada pelo povo negro e não-negro também. “É preciso que, desde cedo, brasileiros e brasileiras fiquem sabendo que os africanos que aqui chegaram eram homens e mulheres livres nas suas terras”, defendeu ele, ao afirmar que a cultura africana precisa ser ensinada desde o ensino básico para que o preconceito de achar que negros e negras são ignorantes não exista mais. Confira a entrevista.

Por que é tão grande a dificuldade para provar origens quilombolas?
Carlos Moura
– Há várias razões, mas vou distinguir duas. Uma que podemos chamar, do ponto de vista ideológico, racial, da conjuntura cultural da sociedade brasileira, que é muito arraigada na questão da propriedade e ainda, lamentavelmente, tem muitos traços de preconceito contra negros e negras. Resumindo: a mentalidade dominante é: para que terra para negros?
A outra questão, que também julgo relevante, é aquela que se refere aos caminhos e descaminhos da burocracia administrativa. O que precisamos fazer? Precisamos desconstruir essa mentalidade de arraigamento à terra e de preconceito contra a comunidade negra e ter uma legislação mais ágil e menos complicada para que se possa cumprir o artigo 68 da Constituição, que diz que o Estado garantirá a propriedade da terra aos ocupantes remanescentes dos quilombos.

E isso ainda é resquício da escravidão...
Carlos Moura
– São os resquícios da escravidão que fez com que negros e negras e descendentes africanos ficassem considerados como pessoas de segunda categoria. Como reverter isso? Penso que há vários instrumentos para se reverter isso, como a educação. Para isso, o movimento negro e o governo federal estão trabalhando em cima da lei 1639, que determina que nas escolas do ensino básico e fundamental tenha a disciplina de História da África e Cultura Afro-brasileira. É preciso que, desde cedo, brasileiros e brasileiras, fiquem sabendo que os africanos que aqui chegaram eram homens e mulheres livres nas suas terras e que tinha conhecimento da técnica do minério. Se somos um país de espiritualidade e religiosidade, grande parte da marca disso foi trazida pelo povo africano.
Os africanos sabiam cultivar a terra de maneira que se adequasse ao nosso clima, diferente dos europeus. É preciso que seja feita uma desconstrução de que negros e negras são ignorantes, valorizando no sentido da criatividade e não apenas do ponto de vista folclórico. Grandes legados nos foram deixados pelos povos africanos que são mantidos por nós e que, com certeza, continuarão a ser mantidos pelas gerações que vierem depois. Isso precisa ser explicado para que a comunidade mude seu pensamento. O padrão de beleza, por exemplo, é muito mais de beleza europeu, quando beleza não tem padrão. Isso tudo é construído e perpassado por uma ideologia dominante, que dita o que é e o que não é belo.

Como a preservação da cultura ajuda no sentido do reconhecimento?
Carlos Moura
– A preservação da cultura ajuda porque a cultura está intimamente ligada à identidade de um povo, que, reconhecida por esse e outros povos, faz com que a autoestima de determinado povo cada vez se eleve mais. As expressões culturais trabalham no sentido de uma maior unificação de um povo, de uma nacionalidade, mas também no sentido da comunicação e do intercâmbio com outros povos.

Houve casos de grupos que desistiram do processo de identificação por perceberem que não tem mais características quilombolas. O que caracteriza um quilombola hoje?
Carlos Moura
– Todo processo sociopolítico, todo processo de retirada de um grupo social da marginalidade política, econômica, social e educacional, tem altos e baixos. De modo que o fato de alguns grupos desistirem dessa luta é normal, isso não tem uma relevância nesse processo.
Os quilombos foram constituídos de diversas maneiras. Eu direi três: homens e mulheres escravizados que fugiam da escravidão e se agrupavam em locais de difícil acesso para que pudessem apresentar defesas quando os capitães do mato quisessem recuperá-los. Outro tipo de formação de quilombos foi de terras legadas por senhores de engenho. E outro tipo era formado por homens e mulheres escravizados que conseguiam a alforria e adquiriam terras. A grande característica é que a comunidade quilombola recebia indígenas e brancos perseguidos pelo Império.

Como está a questão da desigualdade racial na agenda nacional?
Carlos Moura
– Ela está posta na agenda nacional, pela força, pelo trabalho, pelo desempenho dos movimentos negros e pela força e trabalho do governo federal.

Qual é a estrutura social, econômica e cultural dos quilombos reconhecidos hoje no país?
Carlos Moura
– É ainda muito precária. Porque, no momento, a principal reivindicação deles é terra, pois muitos já perderam mais da metade da área para grileiros e latifundiários. Do ponto de vista cultural, as tradições têm sido mantidas com festas, reuniões, plantio e colheita em conjunto. Isso dá suporte e energia. E tal cultura não é estanque, pois eles se comunicam com o exterior e até transmitem esses aspectos de expressão cultural para o exterior.

Foi anunciado pelo governo que o Bolsa Família considerara também as pessoas que vivem em terras ainda não reconhecidas, como quilombos e acampamentos de sem-terras. Como o senhor vê essa questão?
Carlos Moura
– Eu considero o Bolsa Família um instrumento passageiro que vem a dar um suporte àquelas pessoas que não têm remuneração ou têm pouca. Nesse sentido, acho que a Bolsa Família é um bem necessário e deve ser levado a todos os povos, mas é passageiro.

O primeiro quilombo urbano foi reconhecido no último mês. O que isso significa?
Carlos Moura
– Um grande avanço, pois até então só pensávamos e refletíamos sobre os quilombos rurais, mas há quilombos urbanos também. Isso já é um avanço. Não podemos, de maneira alguma, nesse processo de inserção do marginalizado (no sentido daquilo que está à margem porque não goza dos frutos e do crescimento e desenvolvimento), omitir qualquer grupo social, seja urbano ou rural.

(IHUnisinos, 22/5/2009)


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