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turismo especulação imobiliária política ambiental espanha
2009-05-22

Quase 400 prefeituras estão sob investigação por obras irregulares, muitas em praias sob proteção ambiental; cinco prefeitos estão presos. Juros baixos, riqueza da classe média, demanda de aposentados europeus e lavagem de dinheiro de máfias vitaminam setor

Uma trama que reúne empreiteiros gananciosos, construções irregulares, prefeitos presos e as mais variadas máfias ameaça um dos mais disputados litorais do mundo. Com exceção dos prefeitos presos, a história poderia facilmente acontecer em alguma parte do litoral brasileiro. Mas é na Espanha onde governos corruptos têm autorizado obras em cada metro quadrado ainda virgem do litoral. Construções irregulares criam resorts, hotéis e torres em áreas de preservação ambiental. Até a União Européia chamou a atenção do país, no mês passado, pela destruição de sua costa mediterrânea.

Um conjunto de fatores contribui para o boom imobiliário espanhol, um dos principais motores para o crescimento do país na última década. Internamente, há os juros baixos, uma classe média endinheirada louca para ter um segundo imóvel na praia e um crescimento populacional acelerado provocado por milhões de imigrantes. De fora, pesam os milhares de aposentados britânicos, alemães e escandinavos que sonham em ter uma casinha sob o calor espanhol, tão raro no continente, a preços razoáveis.

"A máfia russa, os narcotraficantes e os grupos delinqüentes internacionais e nacionais descobriram no litoral espanhol uma grande lavanderia de dinheiro", disse à Folha o analista político Carlos Malamud, do centro de estudos Instituto Real Elcano. "Isso foi reforçado pela corrupção existente das prefeituras e de quem decide o zoneamento dessas cidades."

Lei permissiva
Tudo começou com a chamada Lei do Solo, aprovada pelo governo conservador de José María Aznar em 1998. Praticamente todo o solo espanhol se tornou passível de urbanização. De lá para cá, a Espanha construiu cerca de 800 mil unidades habitacionais por ano, mais do que França, Alemanha e Reino Unido juntos. Mesmo assim, o preço médio do metro quadrado cresceu 150% no mesmo período. Dos 20 bilionários espanhóis na última lista da revista Forbes, oito pertencem ao mundo da construção civil.

Esse boom é mais sentido no litoral, pela cobiça por sua costa -com sol e temperaturas acima dos 18ºC na maior parte do ano. A Espanha recebe mais de 60 milhões de turistas por ano, e o que a imensa maioria ainda quer é sol e praia. Empreiteiros e especuladores começaram uma caça aos espaços ainda virgens e intocados, e contaram com a colaboração de governos municipais dispostos a autorizar qualquer obra.

Entre 2000 e 2006, foram denunciadas irregularidades urbanísticas em 397 cidades, a maioria no litoral da Andaluzia e da Comunidade Valenciana. Uma cruzada liderada por uma dezena de juízes e promotores públicos já colocou cinco prefeitos e dezenas de vereadores atrás das grades.

Manhattan e Miami ibéricas expõem excesso à beira-mar
Uma enorme investigação do Ministério Público espanhol descobriu que dezenas de prefeitos, vereadores, juízes, advogados e funcionários públicos de seis diferentes Províncias espanholas receberam presentes da imobiliária Aifos. De hospedagem em hotéis cinco estrelas a tratamentos médicos e de beleza, tudo era oferecido aos corruptíveis elos que permitiam construções ilegais da empresa.

O maior foco dessa corrupção é um antigo reduto do jet-set europeu, Marbella, na Costa do Sol, ao sul do país, onde um prefeito foi deposto em 2002 e seus dois sucessores estão presos por corrupção e abusos urbanísticos. A cidade é uma Miami espanhola, cheia de lojas de luxo, spas e clínicas de cirurgia plástica. Com apenas 125 mil habitantes, tem a maior concentração de iates da Europa e possui 15 campos de golfe (para se ter uma idéia, o Estado de São Paulo inteiro tem 38).

O maior palácio da família real saudita na Europa está lá, uma versão muito ampliada da Casa Branca, de Washington, que abriga até 500 hóspedes. Em Marbella, há 30 mil casas e apartamentos irregulares. A cidade serviu como cenário para festas de contrabandistas nos filmes "Syriana" (com George Clooney) e "Munique" (de Steven Spielberg). Como uma cantora muito popular na Espanha, Isabel Pantoja, namora um dos ex-prefeitos presos (e recebeu depósitos milionários dele), o escândalo imobiliário foi parar na revista "Hola!", a revista de celebridades que é a bisavó da "Caras", para delírio de fofoqueiros e paparazzi espanhóis.

Só na operação de Marbella, 86 pessoas já foram presas e mais de US$ 3 bilhões foram apreendidos com os corruptos, de obras de arte a cavalos de raça, de Porsches a jóias. Outro caso dos exageros à beira-mar é Benidorm, na Comunidade Valenciana. Com menos de 70 mil habitantes, Benidorm se orgulha de ter a segunda maior concentração de arranha-céus do mundo por metro quadrado, depois da ilha de Manhattan, em Nova York. É a versão mais rica e kitsch de Balneário Camboriú. Lá, os andaimes não param de subir: um edifício residencial de 200 metros de altura está em construção, maior que o mais alto hotel da Europa, o local Bali III, com 52 andares e 186 metros.

Barreiras e demolição
Demorou, mas a sucessão de escândalos e descalabros urbanísticos e paisagísticos começa a ser freada. Em Algarrobico, na Andaluzia, em uma praia ainda deserta, um solitário hotel de 22 andares quase pronto foi interditado pelo governo. Será demolido - e o grupo Greenpeace pichou o prédio com letras enormes: "ilegal". Já em Marbella, o governo andaluz tirou a competência da prefeitura em matéria urbanística por mais de um ano, até que outro prefeito fosse eleito. Várias prefeituras têm perdido o direito de legislar sobre o solo, com intervenções regionais e até do governo nacional.

A melhor notícia para o litoral espanhol, porém, é que provavelmente a bolha da construção imobiliária esteja perto do fim, ou pelo menos, de uma forte desaceleração, com menos crédito, preços dos imóveis menos competitivos e maiores barreiras à construção. No mês passado, entrou em vigor a nova Lei do Solo, proposta pelo governo socialista, que determina 30% do solo residencial para conjuntos habitacionais populares e promove a participação popular em planos urbanísticos. Mas os excessos da construção civil e a permissividade de governos locais ainda servirão por um bom tempo como exemplo do que pode acontecer com outros paraísos naturais.

(Por Raul Juste Lores, Folha de S. Paulo, 05/08/2007)


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