Nunca tantos projetos que afetam o ambiente tramitaram no Congresso brasileiro como agora. E nunca a conjunta foi tão pouco propícia para os ambientalistas conseguirem estabelecer alianças como agora. A pavimentar estes dias ruins da pauta ambiental há uma campanha presidencial que se avizinha e pouca gente querendo proximidade com um povo esquisito que não gosta de obras a qualquer custo e nem gastar com empreiteiras. O resultado disso tem sido uma inacreditável sucessão de derrotas da agenda verde.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva costuma aparecer apenas quando seus ministros saem da arena e tornam públicas suas divergências. Já ocorreram embates entre Edison Lobão, da Energia e Carlos Minc, do Ambiente (o primeiro exigia que se despachassem velozmente alguns licenciamentos), ou Alfredo Nascimento, dos Transportes e Minc, (pela pressa em pavimentar a BR-319), ou no bate-boca recente entre Reinhold Stephanes, da Agricultura e Minc (com as mudanças do Código Florestal como pano de fundo). Neste último episódio, que revela as tensões no Congresso Nacional, Lula mandou que ficassem calados, mas não arbitrou.
O presidente não costuma demonstrar encantamento algum pela causa verde, ao contrário. Na última edição do Fórum Social Mundial, em janeiro, em Belém, explicitou sua total falta de interesse com o tema. Eram mantras do evento a crise do capitalismo, a crise climática e o fato do Forum acontecer, pela primeira vez, na Amazônia. O presidente Rafael Correa, do Equador, cunhou uma bela imagem que expõe a abordagem nova que o discurso ambiental exige ao dizer que "não estamos vivendo uma época de mudanças, mas uma mudança de época". Lula falou pouco depois e ignorou solenemente o gancho. Discursou de improviso sem mencionar nem uma única vez a Amazônia ou a crise climática. "Sua trajetória é a de um líder sindical que colocou as massas na rua", analisa um ambientalista. "Ele enxerga o movimento ambiental como algo pequeno burguês, do Sul do País e que se ergueu durante a ditadura. Deve pensar que boa coisa não é."
A temática ambiental não costuma ser partidária nem no Brasil nem no mundo. Nos anos 90, os verdes alemães viraram governo com a ajuda surpreendente dos votos dos agricultores que haviam perdido a produção porque a chuva radioativa de Chernobyl chegou até ali. Há poucos meses, no Brasil, nomes fortes do setor agrícola nacional como o grupo Maggi, a Caramuru e a Vanguarda formaram uma associação de produtores de sementes convencionais só para dizer que as deles não são transgênicas e resvalando, assim, num dos tópicos mais passionais dos últimos tempos.
Mesmo assim, os ambientalistas brasileiros costumam ter mais trânsito entre gente do PT ou do PSDB. Ou costumavam. "A pauta ambiental só avança na agenda da oposição", pontua Adriana Ramos, coordenadora do Instituto Socioambiental, o ISA. "A campanha presidencial prematura não está fazendo nada bem ao ambiente", diz Nilo D'Avila, coordenador de políticas públicas do Greenpeace Brasil.
Que o diga um ambientalista histórico, Mario Mantovani, diretor da SOS Mata Atlântica. Nos últimos meses ele não sai do Congresso, tentando barrar a pauta antiambiental. Contou mais de 400 projetos de lei, medidas provisórias e emendas. "A triste constatação é que muitas delas são um retrocesso sem tamanho, um pacote de maldades", diz. O rolo compressor que o Congresso está passando sobre a legislação ambiental se explica, em parte, porque a ministra Dilma Rousseff estaria tendo que pagar agora a fatura pelo apoio à sua eleição. O governador José Serra tem a vantagem de quem pode honrar promessas com um cheque pré-datado e Aécio Neves tem se mantido à distância da guerra em Brasília. A pauta ambientalista, como se vê, está perigosamente à deriva de 2010.
Nesta quarta (20/05), contudo, uma nova aliança veio à tona como um sinal auspicioso aos verdes que lutam para que as mudanças no Código Florestal não signifiquem anistia do passivo ambiental ruralista ou a migração do poder de decisão aos Estados. Os pequenos agricultores que têm sido repentinamente lembrados pela bancada ruralista como "os que mais sofrem com as limitações da lei", mostraram, através de entidades como a Contag, que estão compondo com o Ministério do Meio Ambiente numa proposta de mudança do Código. Enquanto isso, espalha-se pela Amazônia a preocupação das prefeituras locais de produzir sem desmatar. Quem está pautando a mudança, ali nos rincões, é o mercado.
(Por Daniela Chiaretti, Valor Econômico, 21/05/2009)