Na Europa, a chamada tributação verde já é uma realidade. No Brasil, pode começar a ser, se a Câmara dos Deputados não colocar nenhuma barreira.
Há duas semanas, um deputado do Maranhão, Roberto Machado, apresentou àquela casa legislativa uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), cujo conteúdo sugere mudanças no sistema tributário do País, considerando o respeito às questões ambientais como princípio geral para pagamento de impostos, repasse de ICMS e imunidades a bens e serviços focados, por exemplo, em saneamento ambiental, reciclagem, equipamentos e tecnologias antipoluentes.
Não são poucos os especialistas mundiais importantes –o norte-americano Lester Brown é um deles – que defendem um tratamento tributário diferenciado para empresas mais ou menos impactantes do ponto de vista ambiental. Com a urgência do aquecimento global e a definição de metas voluntárias de redução de emissões de carbono no âmbito do Protocolo de Kyoto, alguns governos de países europeus, desde os anos 1990, e mais recentemente os EUA, têm criado leis de incentivo a padrões mais sustentáveis de produção e consumo. Elas têm como objetivo estimular, por exemplo, equipamentos e produção de energias renováveis e punir o que se convencionou chamar de poluidor-pagador, impondo uma tributação adicional para empresas cujos processos e/ou produtos provocam dano ambiental. Nessas nações, a ameaça presente das mudanças climáticas aliada a sociedades cada vez mais sensíveis para o tema constituíram cenário favorável para uma legislação verde.
A PEC 353, encaminhada à Câmara, parece ter tomado como exemplo esse modelo. A diferença para a realidade européia é que, no Brasil, o Código Tributário Nacional proíbe a incidência de qualquer tipo de imposto como forma de punição. No entanto, uma Emenda Constitucional de 2003 determina que é obrigação da ordem econômica garantir o equilíbrio do meio ambiente, oferecendo tratamento diferente com base no impacto ambiental de produtos e serviços.
O potencial conflito entre dois textos legais significa polêmica certa. Caso a PEC venha a vingar, não faltarão embates judiciais nos mais diferentes fóruns do Brasil, envolvendo, principalmente, empresas sobretaxadas em consequência de escorregadelas ambientais. Mais justo talvez seja dizer seja dizer “socioambientais”, já que, em seu texto, a PEC prevê, entre outras medidas, a fixação de alíquotas compatíveis com a responsabilidade socioambiental de uma empresa. Essa questão terminológica tem sido apontada por tributaristas como outro ponto sujeito a interpretações controversas e parciais.
A título de exemplo: uma empresa que realiza um projeto de educação ambiental na comunidade produz um resultado socioambiental. Teria, portanto, direito a pagar menos impostos? Mas e se ela segue lançando resíduos no rio ou córrego locais. Dilemas a resolver. Tão importante quanto definir conceitualmente o que seria “seletividade socioambiental” –o termo designado na PEC – é especificar melhor um conjunto de critérios objetivos para aumento ou diminuição de impostos segundo benefícios ou prejuízos ao meio ambiente e à sociedade. Do contrário, muito poderão ser punidos injustamente. Outros tantos poderão deixar, como de costume, a conta do passivo socioambiental em aberto para quitação das gerações futuras.
De qualquer modo, o mais provável é que a resistência não venha apenas de empresas e de seus lobistas no congresso. Os governos municipais, estaduais e Federal também devem estar apreensivos, já que, com as medidas sugeridas, pode haver queda de arrecadação. A PEC propõe, por exemplo, que os valores do IPTU e o IPVA sejam fixados conforme a observância de questões socioambientais e a eficiência energética dos automóveis. No caso do ICMS, a distribuição aos municípios –hoje estipulada em até um quarto do valor arrecadado-- terá que obedecer a critérios ambientais, como a preservação de mananciais de abastecimento, conservação de terras indígenas, saneamento ambiental, serviços de reciclagem e educação ambiental. Nunca é demais lembrar que, desde 1991, já vigora um ICMS verde nos estados do Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Rondônia e Rio Grande do Sul. A PEC pode fortacê-lo.
Até a aprovação da PEC, muita coisa pode acontecer. Debates acalorados, defesas de interesses específicos e revisões no texto são situações absolutamente previsíveis. Não seria nenhuma surpresa se, para evitar conflitos, em tempos de eleição, a decisão sobre ela fosse empurrada para depois de 2010. Inseri-la na agenda do legislativo brasileiro, no entanto, já representa um grande avanço que nos aproxima, ainda que modestamente, do que hoje está sendo discutido no mundo civilizado.
(Por Ricardo Voltolini*, Revista Idéia Socioambiental / Envolverde, 20/05/2009)
* Ricardo Voltolini é publisher da revista Idéia Socioambiental e diretor da consultoria Ideia Sustentável: Estratégia e Inteligência em Sustentabilidade. ricardo@ideiasustentavel.com.br - http://www.ideiasocioambiental.com.br)