“Há 150 anos, quando Charles Darwin trouxe a público A origem das espécies, começou-se a construir o metrô de Londres”, explica o biólogo Andrew Hendry. Mas que relação tem esses dois fatos? “O de que uma espécie de mosquito normal, que vivia na superfície, colonizou as obras do metrô, se reproduziu no isolamento dos túneis e se converteu numa nova espécie que já não era capaz de cruzar-se com a de fora, tal como Darwin apresentou em sua teoria da evolução”.
Hendry, professor da Universidade McGill de Montreal (Canadá), pesquisa a eco-evolução das interações na natureza entre a evolução e a ecologia a curto prazo. “Nós humanos provocamos mudanças ambientais que influem na diversificação evolutiva”, resume. O pesquisador estuda salmões, aves específicas dos Galápagos e algumas outras espécies de peixes, mas sempre as relacionando com as mudanças do meio ambiente, incluindo as alterações climáticas.
El País - Como reagem as espécies às mudanças no meio ambiente?
Andrew Hendry - Podem se deslocar a outros lugares mais apropriados para viver, o que não exige nenhum tipo de adaptação – e temos muitas provas de deslocamento já ocorrida em função de mudanças climáticas anteriores –, mas em muitos casos há barreiras, como rios, montanhas ou estradas, e os organismos que não conseguem se deslocar procuram se adaptar in situ, onde estão. O fazem de duas formas: uma é a resposta do indivíduo com mudanças de comportamento, morfológicos ou fisiológicos, a chamada plasticidade. Por exemplo, os animais, quando mais calor, podem antecipar a sua época de reprodução; a outra é genética, ou seja, a mudança na população ao longo do tempo adaptando-se melhor às novas condições.
Podem acontecer muitas alterações, não apenas de clima.
Hendry - Sim. Fala-se muito de aquecimento global, mas existem muitas alterações no meio ambiente que obrigam as espécies a reagir: contaminação, superexploração humana, introdução de novas espécies, destruição de habitats, etc. Inclusive no contesto do aquecimento não se trata apenas do aumento da temperatura média, mas sim também das precipitações ou de fenômenos extremos... Outro fator é a interdependência: se a flores florescem antes, os insetos também se antecipam e os pássaros que se alimentam deles, reproduzem antes.
Verificaram-se já adaptações de organismos à mudança climática?
Hendry - Sim, há muitos exemplos, mas é muito difícil saber se se trata de adaptações da plasticidade ou genética. Da segunda se tem apenas alguns exemplos comprovados. Por exemplo, há um pássaro que se alimenta das sementes de píceas, e como estas árvores produzem antes em função do aquecimento, as aves antecipam o tempo de reprodução. Creio que em muitas espécies pode estar acontecendo já a adaptação desse tipo genético, evolutivo, mas apenas em algumas.
Isso em pouco tempo de mudança climática?
Hendry - Pode acontecer mudança genética em apenas uma geração, depende das espécies.
Há padrões geográficos de adaptação?
Hendry - O hemisfério Norte é mais estacional e as espécies também o são. Nos trópicos há estação seca e úmida com grande variação, na qual muitos organismos são mais flexíveis em seus tempos de reprodução, algo assim como “se chove, reproduz-se”. No Norte, a luz e a temperatura são chaves e se produz um desajuste entre ambas as situações, pode exigir mudanças evolutivas. Não se pode duvidar que a mudança climática é mais intensa no hemisfério Norte, nem do fato de que a maioria dos biólogos trabalha nos EUA e na Europa.
Tem sido possível demonstrar a adaptação genética diante de outras pressões?
Hendry - Sim, por exemplo, em casos de exploração humana das espécies, mas apenas se pode identificar a escala de populações e com várias gerações. Em uma região de Alberta (Canadá) se tem carneiros de grandes chifres que eram caçados preferencialmente por isso mesmo – pelo tamanho, e com o tempo os chifres da população têm diminuído porque a probabilidade de sobreviver é maior com a genética de chifres menores. Ou seja, a pressão humana faz com que a evolução selecione traços menos úteis. Isto é muito típico na pesca, com populações que evoluem para um tamanho menor porque se pescam os maiores.
Algumas espécies adaptam-se melhor do que as outras ou todas, em princípio, podem se adaptar?
Hendry - Sabemos que muitas espécies evoluem para adaptar-se à mudança climática, o que não sabemos é quantas vezes essa evolução permite a espécie persistir. Em princípio, os organismos com tempos mais curtos entre gerações respondem mais rapidamente. Também influi a variedade genética (quanto maior é uma população, melhor preparada estará para se adaptar a esta evolução) e mesmo o tamanho da população. Mas também influem outros fatores, por exemplo, se as aves são residentes ou migratórias. As residentes se adaptam melhor à mudança climática que as migratórias.
Cabe esperar alguma adaptação biológica dos humanos frente à mudança climática?
Hendry - Não creio que haja uma resposta adaptativa a curto prazo. Somos uma espécie de gerações longa e, além disso, podemos protegermo-nos do aquecimento, criar refúgios.
É possível predizer mudanças evolutivas ou a biologia não é ainda uma ciência que permite isso?
Hendry - As comunidades ecológicas, os ecossistemas, são muitos complexos e é muito difícil predizer como atuará a mudança climática sobre um membro da comunidade sem compreender a repercussão no restante. É muito difícil dizer que a adaptação vai salvar essa população da mudança ou antever que organismos irão perdurar e quais não. Acredito que a biologia pode predizer num sentindo mais amplo, porém projetar para uma comunidade específica ou uma quantidade determinada de mudança é muito difícil.
Como se viraram as espécies no passado para se adaptar?
Hendry - Ocorreram muitas mudanças, mas o específico agora é que o aquecimento é muito rápido. No passado ocorreram extinções massivas devido a mudanças climáticas, como as glaciações, mas foram relativamente lentas e os organismos conseguiram se deslocar ou evoluir como resposta. Os pingüins, por exemplo, são incrivelmente flexíveis em sua capacidade de se adequar ao meio.
E há aqueles que não se adaptam e se extinguem?
Hendry - Agora mesmo há extinção em massa, mas a responsabilidade da mudança climática não está clara, não acredito que haja nenhum exemplo conclusivo.
(El País / IHUnisinos, com tradução do Cepat, 17/05/2009)