Há pouco mais de três anos, durante a 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP), em Pinhais (PR), a então ministra do Meio Ambiente Marina Silva anunciou a criação de unidades de conservação no Paraná e em Santa Catarina. Autorizadas pelo presidente Lula, deveriam cuidar de cem mil hectares de florestas com araucárias, menos de 1% da cobertura original primária deste ecossistema no Brasil. Apesar das promessas de que havia fundos para a regularização dos parques, reservas biológicas e refúgios de vida silvestre, até agora as áreas não saíram do papel.
Considerada uma das espécies mais antigas da flora nacional, a araucária existe há cerca de 250 milhões de anos. Após passar por muitos períodos geológicos e por mudanças na estrutura climática do planeta, a árvore enfrentou o seu maior algoz no século XX: o homem. Entre 1930 e 1990, cerca de cem milhões de pinheiros foram derrubados em virtude da qualidade de sua madeira. Segundo dados oficiais do governo, restam apenas 0,8% da vegetação primária em estágio avançado no país. Mas Clóvis Borges, diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem (SPVS), diz que este número caiu pela metade.
O temor pela extinção das araucárias levou o Ministério de Meio Ambiente (MMA) a criar um Grupo de Trabalho em 2004 para analisar as suas áreas de ocorrência e sugerir unidades de conservação. “A consciência desta urgência aconteceu entre 1999 e 2000, quando o Probio (Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira) anunciou o que restava de pé. “Então, definimos um polígono mais ameaçado, vimos as imagens de satélite e fomos à campo para vistoriar cada região. Dispúnhamos de ferramentas ricas para analisá-las e, inclusive, fizemos estudos de variabilidades genéticas”, afirma Teresa Urban, jornalista e voz ativa na defesa da natureza brasileira. Junto com membros do governo, de organizações não-governamentais e de centros acadêmicos, ela fez parte da força-tarefa que indicou a necessária criação de oito áreas protegidas.
“Infelizmente, constatamos ao longo de milhares de quilômetros rodados que as regiões estavam muito alteradas. E algumas delas tinham simplesmente desaparecido. Foi chocante, poucos fragmentos tinham relevância para se tornarem unidades de conservação”, explica.
Entre as oito propostas, seis foram autorizadas: Parque Nacional Campos Gerais; Reserva Biológica das Araucárias; Reserva Biológica das Perobas; Refúgio de Vida Silvestre dos Campos de Palmas (PR); Estação Ecológica da Mata Preta e Parque Nacional das Araucárias (SC). Até hoje, o Refúgio de Vida Silvestre do Rio Tibagi, com 31 mil hectares, corre nos escaninhos da Casa Civil à espera do inventário hidrelétrico do Rio Tibagi, encomendado pelo Ministério de Minas e Energia. Já a Área de Proteção Ambiental das Araucárias foi retirada estrategicamente da pauta pelo governo em 2006, em função das constantes reclamações de proprietários que temiam, erroneamente, ter suas terras desapropriadas.
Regularização fundiária
Na prática histórica da devastação, pouco mudou. “Ainda hoje, araucárias com quase dois metros de diâmetro são destruídas no Paraná e ainda não existem instrumentos que reconheçam os serviços ambientais prestados por esses remanescentes naturais, como a manutenção de nascentes”, avalia Clóvis Borges, da SPVS. De acordo com ele, apesar de louvável, a iniciativa do governo de criar um Grupo de Trabalho para a delimitação de áreas prioritárias incorreu em um erro grave: o de avisar aos proprietários que seus terrenos, provavelmente, seriam transformados em unidades de conservação. Mesmo apesar de a lei defender e exigir esse processo.
“Independente do resultado, pagou-se uma conta enorme. Imagine só: você é um agricultor e chegam em sua propriedade dez carros do Ibama dizendo que há possibilidades de desapropriação. O que faz? Desmata tudo o que puder. Foi o que ocorreu, um incremento nas atividades ilegais”, diz. Embora vivas no papel, as unidades criadas não têm plano de manejo ou fiscais para controlar a derrubada da floresta e a caça ilegal.
Uma das principais críticas do movimento ambientalista ao governo federal diz respeito ao fato de que, na ocasião das audiências públicas, Marina Silva e seu ex-braço direito João Paulo Capobianco asseguraram que havia recursos para indenizar todos os proprietários em seguida à criação das áreas protegidas. Não foi o que aconteceu. Até hoje, há equipes técnicas do governo e de entidades não-governamentais que tentam entrar nas unidades de conservação do Paraná e são barrados por proprietários, como diz o técnico especializado do Departamento de Áreas Protegidas do MMA, Emerson Oliveira. “Eles explicam que, enquanto não forem indenizados, ninguém pode entrar lá. Isso atrasa o trabalho do Instituto Chico Mendes”.
Segundo Angela Kuczach, da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação, as áreas estão em sua maioria abandonadas. E o desmatamento de araucárias, espécie mais utilizada pelos madeireiros no Paraná junto com a peroba, segue a todo vapor.
Indícios dos problemas
O governo não esconde que a implementação das unidades está mais lenta do que o previsto. Ainda assim, não há prazos para a solução dos imbróglios. Para Emerson Oliveira, algumas das razões que atrasam o processo são os inúmeros processos judiciais que o ministério enfrenta, mesmo após o fim das audiências públicas. Desta forma, é preciso gastar tempo, recursos e técnicos para enfrentar os proprietários na justiça.
“Eles entraram com recursos, mas isso não justifica o MMA não ter se mobilizado para seguir com o processo de implementação”, avalia Teresa Urban, para depois afirmar que, apesar das recusas do segmento madeireiro, a população apoiou o projeto em peso e chegou a enviar mais de cem mil cartões postais para Lula com mensagens a favor das unidades de conservação, a partir de campanha criada pela Rede Pró-UCs.
João de Deus Medeiros, diretor do Departamento de Áreas Protegidas do MMA, também acredita que a pressão contrária é uma enorme barreira para a conservação das araucárias. Mas vê outros motivos para a lentidão. Segundo ele, há enorme dificuldade de estrutura e pessoal no Instituto Chico Mendes. “Acabamos dependendo um pouco da boa vontade das pessoas, como foi o caso no Refúgio de Vida Silvestre de Campos de Palmas e no Parque Nacional de Campos Gerais”, diz.
Medeiros assume que todas as unidades ainda estão em fase incipiente de implementação, mas já avisou que a regularização fundiária é o ponto de partida. O problema é a falta de recursos. “Existe fundo em caixa para negociar, mas era decorrente da compensação ambiental paga pela empresa que construiu a hidrelétrica de Barra Grande. Acontece que há ações na justiça para que os recursos sejam usados na região do entorno da usina, no Rio Grande do Sul”, conta.
Ecossistema raro e ameaçado
Agora, no entanto, o MMA conseguiu um acordo judicial para usar parte dos recursos nas unidades de proteção às araucárias catarinenses. As do Paraná, por enquanto, ainda precisam esperar a injeção de capital de novas compensações ecológicas de obras de grande impacto. Justamente por isso, diz Emerson Oliveira, a Estação Ecológica da Mata Preta e o Parque Nacional das Araucárias (SC) são os mais adiantados: até o final do ano, seus planos de manejo devem estar prontos. Pouco, para quase quatro anos de trabalho.
“Há também uma possibilidade de a Reserva Biológica das Perobas, no noroeste do Paraná, ter porções do terreno vendidas para proprietários do entorno que não conseguiram manter suas reservas legais. Eles só pagariam um valor pelas áreas, que continuariam preservadas pelo governo, servindo como uma espécie de compensação”, afirma Oliveira. Ele também conta que o Refúgio de Palmas já tem sede e mobília básica.
Apesar das promessas do governo, a verdade é que as araucárias estão mais ameaçadas do que nunca e devem ser tratadas como “prioridade zero”, algo que, até agora, não foi feito. Ecossistemas como esse prestam serviços ambientais únicos, como preservação e abastecimentos de mananciais, regulagem do clima e manutenção da qualidade do solo, inclusive em áreas íngremes. É, portanto, uma bela barreira natural frente a eventos extremos como o que castigou Santa Catarina no último ano. “É uma tragédia o que está acontecendo. Trata-se de uma floresta esquecida”, finaliza Teresa Urban.
(Por Felipe Lobo, O Eco, 08/05/2009)