A cada dia se torna mais difícil distinguir as mortes provocadas por agentes naturais externos e as mortes geradas no interior da sociedade industrial. As recorrentes pandemias que atingem a humanidade são resultantes de uma determinada matriz civilizatória industrial.
Hoje, como no passado, a humanidade enfrenta uma nova pandemia de microorganismo, o qual, entretanto, não é senão uma fração de outra que se poderia chamar de suprema ou estrelar. A grande pandemia é sem dúvida a que nós mesmos, como espécie biológica, provocamos nos últimos tempos. A espécie humana desafiou as leis do ecossistema. De aproximadamente 1 bilhão de seres humanos que existiam em 1900 se passou aos 6 bilhões nesta década. Que planeta pode suportar essa insólita expansão? Do ponto de vista ecológico, manter essa gigantesca população significa travar permanentemente duríssima batalha contra os organismos que buscam se aproveitar desta situação anômala e, especialmente, contra a gama conhecida de microorganismos: fungos, bactérias, vírus, retrovírus e viróides.
A grande pandemia, não é, entretanto, apenas demográfica, mas também diz respeito ao que podemos chamar de matriz civilizatória industrial, e inclui desde a visão moderna de mundo até aos desenhos tecnológicos e os mecanismos de acumulação implícitos ao desenvolvimento do capitalismo.
Não se pode apenas socorrer-se em Malthus, sem invocar Marx. O mundo de hoje necessita deter tanto o crescimento descomunal da população humana como transformar radicalmente o modelo de civilização. Hoje, os riscos não provêem unicamente de fora. A gripe estacional que a cada ano brota nos invernos dos dois hesmiférios tira a vida de 250 mil a 500 mil pessoas, é verdade, mas os carros matam anualmente 1 milhão de pessoas e os acidentes deixam entre 25 a 30 milhões de pessoas feridos a cada ano. Se a Aids mantém infectada a uma população estimada em 33 milhões de pessoas, das quais anualmente morrem 2 milhões, os pesticidas criados nos laboratórios químicos afetam, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a 2 milhões de pessoas e matam anualmente 200 mil.
A cada dia se torna mais difícil distinguir entre as mortes provocadas por agentes naturais externos e as mortes geradas no interior da sociedade industrial. As gripes, por exemplo, são enfermidades geradas por vírus que são criações naturais e industriais. Os vírus das gripes é o resultado da combinação endiabrada de formas que tem ido dos humanos às aves e aos porcos, do movimento entre esses últimos, e o do retorno aos humanos em ciclos dominados pelo acaso (as mutações) que se repetem silenciosamente e perigosamente por todo o planeta.
Este fenômeno se vê promovido e acentuado pela existência de gigantescos confinamentos mediante os quais a produção industrial gera os alimentos cárnicos (de aves, porcos, bovinos, etc). Os campos de concentração animal, que são cada vez mais a base da maquinaria industrial produtora de alimentos, que concentram milhões e centenas de milhões de animais para o seu sacrifício, são verdadeiros focos para a incubação, mutação e recombinação de vírus, como o da gripe.
E as cifras são impressionantes. A espécie humana mantém ao redor de dois bilhões de porcos, 85% dos quais estão na China, Europa e Estados Unidos. A cada semana as bocas humanas consomem 23 milhões de porcos, boa parta dos quais provêem de confinamentos massivos. Monopólios e monocultivos são duas formulações fortemente semelhantes desde o surgimento do capitalismo. Os coquetéis para a gestação de novas formas virais estão, pois, a luz do dia nas granjas industrializadas do mundo, não apenas dos porcos, mas das aves (a gripe aviária) e a dos bovinos (lembre-se do mal das vacas loucas).
O risco de enfermidade não apenas está ligado às cadeias alimentares (e aqui a necessidade de criar e ampliar sistemas agroecológicos de produção de alimentos sadios). Os diferentes ramos industriais geraram substancias tóxicas (apenas na Europa foram inventadas 40 mil) que estão demonstrando que são a causa, ou parte dela, de novas doenças, como certos tipos de câncer, alergias e estado de depressão imunológica. Entre eles, destacam-se os pesticidas, utilizados principalmente nos extensos campos de cultivo agroindustrial.
Define-se um pesticida como toda substância que serve para combater os parasitas e as doenças de cultivos, do gado, de animais domésticos, e mesmo do ser humano. Os pesticidas surgiram a partir da Segunda Guerra Mundial e são compostos químicos (DDT, organoclorados, organofosforados e carbomatos) elaborados para exterminar pragas e doenças que afetam as grandes concentrações humanas e as de suas plantas e animais domesticados. Não obstante, os pesticidas não apenas afetam a saúde humana, mas também geram impactos sobre os ciclos naturais e as espécies. A estranha extinção das abelhas em extensas regiões dos Estados Unidos e da China ao que parece foram provocada por estas substâncias.
O último desenho ligado aos extensos campos de cultivos agroindustriais são os organismos geneticamente modificados (alimentos transgênicos), que são criações derivados da biotecnologia e da genômica. Ainda não está demonstrado que causam dano a quem os consome, seu perigo potencial está no fato de que se trata de um novo tipo de contaminação: a genética, cujos efeitos são muito mais difíceis de detectar e controlar. Nessa situação, o ser humano, não Deus, joga com os dados da própria vida ao introduzir no mundo da natureza organismos que podem provocar mudanças inesperadas sobre as populações das espécies domesticadas e silvestres. No México, o caso do milho transgênico é um caso-chave e dramático.
Os seres humanos estão metidos em uma encruzilhada, num turbilhão de riscos, que é o resultado do tamanho descomunal da população, a qual precisa se alimentar mediante formas (agroindustriais) que facilitam, por sua vez, a proliferação de patógenos, que contaminam e afetam a saúde humana e que ameaçam provocar transformações nunca antes vistas na estrutura genética dos organismos (transgênicos). Tudo isso é parte dessa grande pandemia na qual acabaremos chegando. Qual é a cura possível das infinitas pandemias que tem matado milhares?
(Por Victor M. Toledo*, com tradução do Cepat, Página 12 / IHU Online, 16/05/2009)
* Pesquisador do Instituto de Ecologia da Universidade Nacional Autônoma de México (UNAM)