O PIB como medida do desempenho econômico é precário e limitado e a grande inovação do século será sua superação. A defesa dessa ideia, que causa arrepios na maior parte dos economistas, tem feito de José Eli da Veiga uma espécie de estranho no ninho nos círculos acadêmicos. Estudioso há três décadas do desenvolvimento sustentável, o economista e professor titular da FEA-USP vê com um misto de esperança e ceticismo as tentativas de reformular as métricas da economia.
O Estado de S. Paulo - Qual é a sua expectativa em relação aos trabalhos da Comissão Stiglitz-Sen? Teremos uma nova métrica?
José Eli da Veiga - Nunca ficou claro que eles lançariam um ‘novo PIB’. A Comissão, que tem 27 membros, foi subdividida em três grupos. Um deles ficou com os problemas clássicos do PIB. Outro ficou com sustentabilidade; outro grupo vai trabalhar qualidade de vida, que envolve essa discussão sobre felicidade, um debate subjetivo. O relatório da comissão, previsto para sair em junho, deve conter recomendações. Acredito que não haja tempo útil para que eles saiam da crítica para uma proposta pronta. Mas a ideia é que surja alguma medida de desempenho econômico que não seja tão ruim quanto o PIB.
Então isso deve se prolongar por mais alguns anos?
Veiga - A comissão provavelmente encerra os trabalhos com recomendações nesse relatório final, que serão endereçadas à ONU. Claro que organizações internacionais, como o FMI e a OCDE, terão um papel importantíssimo. Qualquer acordo para mudar a contabilidade nacional implicará uma reforma. E essa reforma seria de grandes proporções, já que desde que o PIB emplacou, nos anos 1950, e os países começaram a montar suas contabilidades, nunca houve uma revisão.
Nos últimos anos, as críticas ao PIB vêm ganhando coro. Quais são as principais limitações da métrica?
Veiga - As limitações são muitas. Uma das principais é o fato de que ela não contém nenhum tipo de amortização. O PIB envolve capital físico construído e também humano. No que tange os recursos naturais, o PIB simplesmente não contempla a questão. Por exemplo, se eu tiver uma mina, eu exploro a mina e tudo o que sair de lá será colocado como produto. O PIB não contabiliza o que estou degradando do meu capital natural. Outra falha: uma das primeiras críticas ao PIB é de que o trabalho doméstico não é considerado. Essa crítica vem dos anos 1970 e esteve ligada ao feminismo. Depois veio a problemática ambiental. Agora imagine um grave acidente de avião, com mortes. Fazendo a contabilidade, você pode chegar à conclusão de que esse acidente ajudou a aumentar o PIB, o que é um contrassenso.
É possível passar a considerar os passivos socioambientais no PIB?
Veiga - Aí não será mais PIB, será outra coisa. Vai ser uma nova maneira de se fazer a contabilidade nacional que vai permitir que os resultados do desempenho econômico sejam medidos de uma maneira melhor do que a atual.
De qualquer forma vai continuar a divisão? Uma medida para riqueza, uma de sustentabilidade e uma de bem-estar? Unir as três coisas é impossível?
Veiga - Unir as três coisas em um indicador só é impossível. Eu acho que sobretudo as duas primeiras vão estar como dois lados de uma moeda. A terceira é algo diferente. Porque não estamos falando nem de desempenho econômico nem se ele é sustentável ou não. Estamos falando de o que isso resulta para a vida das pessoas. Uma medida de desenvolvimento sustentável vai ter sempre dois indicadores, um do desempenho econômico e outro da sua sustentabilidade.
Então elas vão caminhar juntas, mas sem ser uma coisa só?
Veiga - A gente vai ter de se acostumar a dizer o seguinte: um país teve um desempenho econômico muito bom neste ano, mas não é sustentável, porque foi à custa da dilapidação dos seus recursos naturais. Então não resolve. Um caso muito citado é o da Indonésia. O PIB lá aumentou de uma maneira vertiginosa enquanto eles estavam acabando com as florestas. Depois, parou de aumentar.
Essa nova medida de desempenho vai contabilizar estoques também, além de fluxo?
Veiga - Esse problema vai ser colocado. Para fazer uma contabilidade real do desempenho econômico, a geração de renda não poderá ficar completamente independente do que são os estoques, o patrimônio. Porque, se a renda estiver sendo gerada com prejuízo do patrimônio, não é a mesma coisa do que gerar uma renda conservando o patrimônio. Você pode pensar tanto no patrimônio natural quanto nos recursos humanos. Se eu consigo gerar uma renda altíssima, mas ao custo do aumento dos acidentes de trabalho, da mortalidade, isso não é sustentável. No tempo do milagre econômico, o Brasil cresceu a taxas altíssimas, chinesas, mas aumentou brutalmente o número de acidentes de trabalho. O mesmo raciocínio se aplica aos recursos naturais. De toda forma, medir desempenho econômico é medir fluxo. Só não podemos esquecer dos estoques, o que o PIB faz.
(Por Andrea Vialli, O Estado de S. Paulo / IHU Online, 16/05/2009)