Foi um choque para milhares de pesquisadores científicos brasileiros ler a reportagem da editoria Ciência da Folha de S. Paulo no dia 6 de maio. Ela relatava a divulgação do ministro da Educação, Fernando Haddad, de que a produção científica brasileira tinha crescido 56% de 2007 a 2008, segundo a mundialmente reconhecida base internacional de dados Thomson Reuters-ISI. Um choque que não era propriamente de contentamento, mas de estupefação. Acostumados com a lida de números em suas pesquisas e familiarizados com o curso modesto dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no Brasil, era difícil encontrar uma explicação para o aumento inusitado em nível mundial em um ano, levando o país para a 13ª posição entre as nações na publicação de artigos científicos.
O portal de periódicos da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, órgão do Ministério da Educação) que permite o acesso ao ISI provavelmente teve um de seus maiores níveis de visitas, no anseio dos pesquisadores de constatar se o aumento era de fato o anunciado. E era. Porém, a explicação do ministro e de algumas autoridades presentes ao evento da divulgação, de que o aumento se devia à política em nível federal de fomento à pesquisa, não fazia eco em mentes perscrutadoras por dever de ofício.
Muitas hipóteses foram levantadas, havendo até colegas que ironizavam ser um evento raro de desova de artigos científicos engavetados, como a desova de tartarugas marinhas. Por estar numa função que permite maior descortínio da produção científica, a explicação para o fato não me demorou. A base de dados Web of Science-ISI, utilizada nessa pesquisa, mostrou, sim, um aumento que o Brasil liderou: o de revistas científicas nacionais indexadas nessa base.
Em 2006, eram 26. Essa quantidade passou para 63 em 2007 e para 103 em 2008. Um aumento insólito, em contexto mundial: o número quadruplicou em dois anos! Qual seria a explicação para isso? A Thomson Reuters-ISI é uma empresa comercial, visando lucro, mas buscando manter a imagem de indexar o núcleo das melhores revistas científicas do mundo (10 mil entre 100 mil). Segundo a própria empresa, a sua política de seleção continua sendo a de medir o impacto por meio das citações dos artigos das revistas, mas iniciou um procedimento de espraiar o universo das revistas do ponto de vista regional e temático.
O Brasil certamente marcou ponto nos três itens. Com isso, o número de artigos em suas revistas aumentou de 4.056, em 2007, para 12.502, em 2008. Ou seja, um aumento de 8.446 artigos, devido ao aumento de revistas e também ao maior número de artigos por revista, uma vez que a indexação no ISI exerceu maior atração sobre os autores. Isso significa que cerca de 80% do aumento de artigos anunciado pelo ministro Haddad advieram de um setor em que o governo federal investe de forma absolutamente inexpressiva: R$ 10 milhões em 2008, divididos entre o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a Capes, para cerca de 240 revistas nacionais. Isso representa cerca de 0,4% dos orçamentos das duas instituições. Para comparação, os Estados Unidos gastam 200 vezes mais em revistas científicas.
A única iniciativa brasileira para melhorar as suas revistas, além da dedicação dos editores, é o programa SciELO (www.scielo.br), criado em 1997 por meio de uma parceria entre a Fapesp (Fundação de amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e a Bireme (Biblioteca Virtual em Saúde).
SciELO exerce no Brasil um papel semelhante ao do ISI, o de indexar as melhores revistas brasileiras, selecionadas por critérios de qualidade, mas vai além, pois disponibiliza os artigos com textos completos em acesso aberto. Hoje são 205 revistas. É importante frisar que, das 103 revistas brasileiras indexadas no ISI mencionadas acima, 81 estão na base SciELO. O orçamento executado do programa para 2009 é de R$ 2,5 milhões, 80% provenientes da Fapesp (recursos do Estado de São Paulo) e 10% do CNPq (recursos federais). Tem-se assim a história real do aumento expressivo da produção científica brasileira em 2008 na base ISI.
(Por Rogerio Meneghini*, Folha de S. Paulo, 12/05/2009)
*É coordenador científico do programa SciELO de revistas científicas brasileiras, professor titular aposentado do Instituto de Química da USP e membro da Academia Brasileira de Ciências. Foi presidente da primeira Comissão de Avaliação da USP (1993-1997).