55 anos depois de comandar a vitória militar histórica dos vietnamitas contra a França colonialista na Indochina, o General Vo Nguyen Giap ainda luta. Aos 98 anos, seus novos combates – com palavras, não com armas – visam a salvar o Vietnam de outro inimigo: a mineração de bauxita. Em busca de rápido desenvolvimento econômico, o governo do Vietam planeja extrair cerca de 5,3 bilhões de toneladas de bauxita, principal insumo para a produção de alumínio, de minas localizadas quase todas no planalto central do país, na província de Dak Nong.
Giap, que comandou o exército que derrotou os franceses em Dien Bien Phu, dia 07/05/1954, conclamou o governo do Vietnam a suspender esses planos, em nome da preservação do meio ambiente, do risco a que expõe minorias étnicas que habitam a região e porque implicam ameaça à segurança nacional. O homem que também comandou o exército do Vietnam do Norte que também derrotou os EUA, nos anos 60, já publicou duas cartas abertas – a segunda das quais mês passado –, contra os planos governamentais de extração de bauxita; sua atitude parece que, afinal, começa a inspirar outros militantes.
Em rara manifestação de oposição ao partido comunista que governa o país, 135 intelectuais e cientistas divulgaram abaixo-assinado que foi entregue ao presidente da Assembleia Nacional, em Hanoi. "Não podemos continuar a extrair bauxita. A exploração terá graves consequências sobre o meio ambiente, a sociedade e a defesa nacional." Conclamam o governo a suspender outros projetos de extração de bauxita no planalto central, até que se completem os estudos de impacto ambiental. Nguyen Tan Dung, primeiro-ministro, definiu a mineração de bauxita como "a principal política do partido e do Estado", e diz que os projetos não serão suspensos enquanto prosseguem os estudos de impacto ambiental.
Mas, para o professor Vo Quy, um dos mais conhecidos especialistas vietnamitas em meio ambiente, "os danos ao ambiente são muito maiores que qualquer benefício econômico. Apoio o esforço nacional de desenvolvimento, mas não a mineração de bauxita em grande escala", disse ele à Al Jazeera. E acrescentou: "As terras altas do centro do país são região de imensa beleza, que têm alto potencial para atrair projetos de ecoturismo, além de ser zona de produção agrícola."
A extração da bauxita gera centenas de toneladas de lixo tóxico, chamado "lama vermelha", como informam o professor Quy e outros especialistas. Os ambientalistas vietnamitas temem que esses resíduos tóxicos contaminem rios que correm por regiões densamente povoadas, inclusive pelo importantíssimo delta do rio Mekong, no sul – onde há fazendas de criação de peixes e as áreas de mais alta produção de arroz do país.
Nas duas cartas, Giap convoca cientistas, administradores e ativistas a "sugerir ao partido e ao Estado que construam melhores políticas para a extração de bauxita no planalto central." "Minha opinião é que não devemos explorar a bauxita. Essa exploração implicará graves danos ao meio ambiente, à sociedade e à defesa nacional", escreveu. O gen. Giap também cita um relatório de 1980, que chama a atenção do governo para a evidência de que "a exploração da bauxita naquela região causará dano ecológico devastador, com graves consequências e danos de longo prazo ao meio ambiente, que afetarão não apenas os habitantes locais, mas também o meio ambiente e a vida das populações que habitam as planícies do sul das províncias do centro do país."
Contratos já assinados
Apesar da ação do gen. Giap, já há contratos assinados com uma subsidiária da gigante chinesa Chinalco, que produz alumínio, para extração de bauxita no planalto central do Vietnam. A empresa, em abril deste ano, organizou seminário de especialistas, por dois dias, em Hanoi, para discutir meios pelos quais reduzir os danos ambientais. A empresa também informou que o projeto da extração de bauxita no Vietnam seria de pequena escala, com restrições quanto ao número de trabalhadores chineses.
Para os críticos, a presença de milhares de mineiros chineses, na área estratégica do planalto central, implica inaceitável ameaça à segurança, considerada a longa história de conflitos entre o Vietnam e o vizinho do norte. Nguyen Thien, escritor, diz que o projeto "é ilógico e irracional; há quem desconfie de negócios secretos entre o Vietnam e a China, com implicações estratégicas".
Para outros, a mineração de bauxita não é viável, nem no plano econômico, porque exige grande quantidades de eletricidade e água – fatores de produção cuja oferta é restrita, no Vietnam. Para o professor Dao Cong Tien, ex-reitor da Escola de Economia da Universidade Ho Chi Minh, a mineração naquela região implicará uso de grande quantidade de água, e implicará racionamento de água para os produtores agrícolas da região. Nguyen Huu Ninh, que recebeu o Prêmio Nobel por estudos sobre mudança do clima, não vê qualquer benefício para a região. "Não faz sentido investir num projeto que não beneficia a população local," diz ele.
Mas, apesar de todas as dúvidas e objeções, o governo tem dito que o Projeto Bauxita não será suspenso. É possível que a luta para defender o planalto central do Vietnam contra o avassalador crescimento da economia chinesa seja, para o heroico general Giap, que já derrotou a França e os EUA, sua mais dura guerra.
(Por Tom Fawthrop, Al-Jazeera / NovaE, 12/05/2009)