Ele já foi o quarto maior lago do mundo, mas hoje em dia não chega nem perto disso. Localizado na Ásia Central, entre dois países surgidos após o desmembramento da União Soviética – Cazaquistão e Uzbequistão –, o Mar de Aral já ocupou 68.300 km², duas vezes a área de Alagoas. Mas em cinco décadas a superexploração secou dois terços de sua superfície, equivalente um Estado do Rio de Janeiro, transformando o local num dos mais evidentes exemplos de catástrofe ambiental do planeta.

O encolhimento do Mar de Aral, do qual dependem não só os dois países, mas também Quirguistão e Tajiquistão, começou ainda nos anos da Guerra Fria. Até a década de 60, suas águas eram utilizadas para irrigação de pequenas plantações. Depois, o governo soviético iniciou o processo de desvio do curso dos rios Sir Daria e Amu Daria – principais abastecedores do lago – em prol da irrigação artificial das plantações de algodão, numa região dominada por terras áridas e semiáridas.

“A ingenuidade tecnológica, o excesso de zelo ideológico e a ambição política levaram os engenheiros da União Soviética a avaliar que o Sir Daria e o Amu Daria (...) estavam sendo desperdiçados”, aponta um relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Alguns líderes da época defendiam que secar o Mar de Aral seria bem mais vantajoso do que tentar preservá-lo, já que o aumento da produção de algodão compensaria seu desaparecimento.

Nos anos seguintes, a região de fato se tornou uma das maiores produtoras de algodão do mundo. Porém, em algumas décadas ficou claro como o diagnóstico dos engenheiros soviéticos era equivocado. Com o desvio dos rios, nos anos 90 o mar recebia menos de um décimo do fluxo de água anterior. A desmedida retirada de água provocou a erosão do solo e aumentou a concentração de sal. E as mudanças climáticas também deixam sérios impactos. Os verões ficaram mais curtos e os invernos se tornaram mais longos e rígidos, o que levou os fazendeiros da região a trocarem a produção de algodão pela de arroz – que exige ainda mais água.

Atualmente, o Mar de Aral é formado por dois mares pequenos, separados por um trecho de areia de 36 km², conhecida como deserto de Aralkum. Parte das águas está poluída por agrotóxicos e comprometida pelo excesso de salinização, contaminando lençóis freáticos e afetando as lavouras. Os efeitos foram sentidos em diversas áreas. “A morte deste mar constituiu uma catástrofe social e ambiental”, resume o estudo do Pnud. A produção de algodão caiu 20% desde o início da década de 90 e houve perda de 80% das espécies de peixes da região. Já no começo dos anos 80 a indústria pesqueira local, que chegou a empregar 40 mil pessoas, estava dizimada. Um relatório do escritório do Pnud no Uzbequistão estima que a agricultura da região perca US$ 2 bilhões por ano em razão da má gestão da água.

Os danos à saúde são alarmantes. Os habitantes de Oyzlorda (Cazaquistão), Dashhowuz (Turcomenistão) e Karakalpakstan (Uzbequistão) são os mais afetados. O abastecimento das cidades com águas impróprias está aumentando os níveis de mortalidade infantil. Segundo o Pnud, em algumas regiões a taxa é de 100 mortes a cada 1.000 nascimentos. Em Karakalpakstan, cerca de 70% dos habitantes sofrem de doenças crônicas respiratórias, febre tifoide, hepatite ou câncer do esôfago.

“O Mar de Aral constitui um testemunho bem dramático da forma como os ecossistemas podem se vingar da loucura dos homens – a criação de riqueza funcionou como catalisador não de progresso humano, mas de retrocesso para o desenvolvimento humano da região”, afirma o relatório do Pnud.

Os cientistas se dividem quanto à possibilidade de o Mar de Aral desaparecer totalmente. É praticamente unânime, contudo, que a região sul deva secar até 2020. Desde 2001, o governo do Cazaquistão tem projetos com o Banco Mundial para tentar reverter a situação. A ideia é construir uma barragem e uma série de diques e canais para reabilitar os níveis de água na região norte do lago. Os primeiros esforços aumentaram de 30 para 40 metros o nível geral do lago, mas os interesses divergentes entre os quatro países envolvidos têm dificultado avanços mais substanciais.

(Por Renata D´Elia, Planeta Inteligente, 12/05/2009)