Proprietários de casas dentro de unidade de conservação pedem ao governo para abrir mão de área de 1.300 hectares. Donos de imóveis dizem que têm direito a indenizações, mas preferem que unidade de conservação encolha; ministro analisa proposta
O primeiro parque nacional do Brasil -o Itatiaia, no Rio de Janeiro- pode ter sua área reduzida caso a proposta lançada por um grupo de proprietários de casas na região seja aceita. A decisão cabe ao governo federal. Se a sugestão for aceita, o parque de 30 mil hectares pode perder 1.300 hectares -uma porcentagem pequena, mas que concentra boa parte das belezas naturais que atraem cientistas e turistas ao local. A decisão não deve demorar a sair. O ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente, realizou um estudo técnico sobre a questão fundiária na região, problema que atormenta governos desde a criação do parque, em 1937. O conteúdo do documento, ainda não divulgado, será apresentado ao ministro Carlos Minc para que ele determine o que deve ser feito.
Existem 80 terrenos particulares com casas dentro do parque (além de terrenos sem construções) e mais cinco hotéis. Donos de casas de veraneio, moradores da área e proprietários dos hotéis solicitam que a maior parte do local conhecido como parte baixa do parque, ao sul, deixe de integrar a unidade de conservação. Eles pedem que 1.300 hectares sejam cortados da área, que possui, 1.510 hectares. Pela proposta, a parte baixa se tornaria "monumento natural" tipo de unidade de conservação mais permissiva, que pode abrigar propriedades particulares.
Quando o parque foi criado, havia moradores na área, que pertencia a um ex-núcleo colonial. Os habitantes não foram indenizados e, por isso, continuaram por ali. O problema se agravou com o tempo, já que foram feitas mais construções após a fundação do parque, e terrenos foram divididos irregularmente. Até hoje se vê a venda de casas no local, assim como o aluguel de residências. A parte baixa recebeu no ano passado 75 mil visitantes. É na parte alta do Itatiaia que fica uma de suas mais famosas atrações, o pico das Agulhas Negras, mas na parte baixa também existem locais muito procurados pelos turistas, como a cachoeira Véu de Noiva, com 40 metros de altura.
A biodiversidade também é rica na parte em disputa. Recentemente, por exemplo, foi descoberta ali uma nova espécie de besouro (Babelis leo). Na região também há animais difíceis de avistar, como a onça-parda, e o muriqui, maior macaco das Américas, criticamente ameaçado de extinção. Se o parque for reduzido, até mesmo sua sede histórica e sua pedra fundamental serão excluídos da unidade de conservação.
Proposta "nefasta"
A proposta de redução do Itatiaia foi atacada por ONGs e ambientalistas, dentre os quais a senadora e ex-ministra Marina Silva (PT). Para ela, propostas como essa são "nefastas" e abrem precedentes para questionamentos em outras unidades de conservação. A senadora afirma que o parque é importante por ser o mais antigo do país e por estar numa região que já sofreu muito com a pressão sobre a mata atlântica. Ela defende que seja mantida a área do parque e seja feita a desapropriação das áreas particulares, com indenizações para aqueles que tiverem direito.
Clarismundo Benfica, chefe da Área de Proteção Ambiental Serra da Mantiqueira, concorda com ela. O parque, ressalta, ajuda a proteger a água que é consumida na região, que não precisa ser tratada. E, em sua opinião, quem mora dentro do parque é privilegiado pois se beneficia da conservação da beleza natural local e de um esquema de segurança 24 horas bancado pela União.
A Folha apurou que o estudo do ICMBio seria apresentado na semana passada ao ministro numa reunião que acabou sendo desmarcada. Procurado, Minc disse por meio de sua assessoria de imprensa que só vai se manifestar após ter acesso ao relatório. A Folha também tentou ouvir na semana passada o ICMBio, sem sucesso.
(Por Afra Balazina, Folha de S. Paulo, 11/05/2009)