A decisão de produzir mais energia em usinas térmicas para poupar água nas hidrelétricas do Sul é questionada por especialistas. Anunciada pela Petrobras, a medida encarecerá as contas de luz em 1% com a queima de gás pelas térmicas. O acionamento dessas usinas, decidido pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, composto por integrantes do governo, ocorre em um momento em que a Petrobras enfrentava queda na demanda por gás, devido à crise econômica mundial e ao elevado nível dos reservatórios. No dia 1º deste mês, ao anunciar o acionamento das térmicas, a diretora da Petrobras Graça Foster afirmou que a medida aumentaria o consumo de gás nas térmicas de 6 milhões de metros cúbicos por dia para 20 milhões de metros.
Para especialistas, o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), que gerencia o sistema, deveria ter apresentado à sociedade embasamento técnico justificando a medida. "A decisão surpreende porque os reservatórios do Sudeste, do Nordeste e do Sul estão muito acima do nível de risco", diz Adilson de Oliveira, professor de economia da UFRJ. No Brasil, 90% da energia vem das hidrelétricas. Ligar usina térmica custa caro. Neste ano, os consumidores pagarão R$ 800 milhões. No fim de 2007, outro acionamento, por 12 meses, custou R$ 2 bilhões.
"Em 2007, alegaram que os reservatórios estavam vazios, e a economia, aquecida. Hoje, vivemos o oposto. Precisamos pagar essa conta?", questiona Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, que reúne os investidores do setor. Para Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura, a conta é alta. "Em 2007, funcionaram térmicas a óleo, mais caras, por mais tempo, e o petróleo estava em alta. Por que agora a conta é de R$ 800 milhões por menos tempo e com o preço do gás em queda?"
Segundo o ONS, as térmicas estão ligadas porque, com a seca, os reservatórios do Sul estão com 38% da capacidade, e, para eliminar o risco de falta de luz, deveriam estar com 40%. Esse percentual representa o triplo do que prevê a chamada "curva de risco", que era usada pelo ONS desde 2002 e estipula os níveis mínimos nos reservatórios para afastar o risco de apagão. Por essa curva, o nível mínimo no Sul é de 13%.
No entanto, no fim de 2008 o ONS sugeriu ao comitê de monitoramento a criação de margem de segurança extra, que exige um nível maior de água. O acionamento de térmicas passa a ser determinado pelo novo indicador e não pela "curva". Especialistas dizem não conseguir reconstituir a conta que chegou aos 40% no Sul. No Nordeste e no Sudeste, o nível dos reservatórios, respectivamente 100% e 84%, está acima das novas metas, de 48% e 33%.
O secretário-adjunto do Ministério de Minas e Energia, Ildo Grudtner, nega que a medida tenha sido tomada para beneficiar a Petrobras. "Se não houvesse gás, acionaríamos as térmicas a óleo, mais caras." A Petrobras negou a relação entre a redução na demanda por gás no mercado e o acionamento das usinas. "A decisão é uma prerrogativa legal do ONS. A Petrobras cumpre as determinações do ONS." Procurado, o ONS não comentou as críticas.
(Por Samantha Lima, Folha de S. Paulo, 09/05/2009)