O atual governo gosta de apresentar o Brasil como potência emergente global e como país líder no contexto regional. A liderança e o papel protagônico no cenário externo trazem prestígio e benefícios, mas também ônus e responsabilidades, que devem ser enfrentados com agilidade e clareza em relação aos interesses do País, sem ideologia ou partidarização. O aprendizado brasileiro para esse novo papel no cenário internacional tem sido demorado e difícil, como demonstram a forma como o Brasil está lidando com os problemas que surgem no relacionamento com nossos vizinhos e também alguns fatos isolados, como os equívocos e o fiasco que cercaram o convite e o cancelamento da visita do presidente do Irã.
No que diz respeito à América do Sul, o governo brasileiro ainda não encontrou o tom correto nem um estilo adequado para superar os problemas que se estão repetindo e contestam essa pretensão de liderança. O precedente da tímida reação de Brasília à violência no episódio da nacionalização das refinarias da Petrobrás na Bolívia serviu de estímulo ao Equador, à Argentina e agora ao Paraguai, que sem a menor cerimônia se sente no direito de questionar um tratado firmado em 1973. Os formuladores de nossa política externa aceitam como natural e consideram legítimo que todos esses países tomem medidas na defesa de seus interesses, mas mostram-se relutantes na hora de tomar decisões para defender nosso interesse nacional, arranhado e contrariado.
Desde a campanha presidencial, Fernando Lugo levantou a bandeira da renegociação do Tratado de Itaipu para ganhar apoio da opinião pública contra o Partido Colorado, no poder havia mais de 61 anos. Eleito com o apoio de uma precária coalizão, que vai da ultradireita à extrema esquerda no espectro político paraguaio, o presidente eleito, coerente com suas promessas eleitoreiras, nos primeiros contatos com o governo brasileiro apresentou uma lista de demandas.
Enfraquecido pelos problemas internos da coalizão, pelas dificuldades econômicas internas e por questões pessoais, o presidente paraguaio veio ao Brasil com uma atitude intransigente na defesa do que entende ser o interesse de seu país. A "pauta de reivindicações" inclui a revisão do Tratado de Itaipu, um preço justo para a venda da energia excedente de Itaipu e o cancelamento da dívida contraída pelo Paraguai com a construção da hidrelétrica. Para que a soberania energética seja respeitada Lugo ameaça recorrer à Corte de Haia e solicitar uma arbitragem internacional.
O Brasil, aprendiz de potência emergente, encolhe-se, mantém-se na defensiva e quase pede desculpas por defender o interesse nacional quando corretamente recusa a principal reivindicação de Lugo, a modificação do Tratado de Itaipu, abertamente apoiada pelo MST e pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez. O fato é que o atual governo já cedeu duas vezes, em 2007, às demandas de Assunção pela revisão dos índices que reajustaram o empréstimo de Itaipu, o que fez o endividamento da empresa binacional reduzir-se em US$ 1 bilhão (assumido pelo Tesouro brasileiro), e pelo reajuste da compensação pela cessão da energia não utilizada (o porcentual fixo subiu de US$ 1,70 para US$ 2,80, com repercussão negativa sobre o preço da tarifa para o consumidor brasileiro).
Para tentar contornar os pleitos paraguaios o governo brasileiro, hesitante, sem uma posição interna coesa, apresentou propostas, como mais um desdobramento da diplomacia da generosidade, para aumentar as transferências em cerca de US$ 1,7 milhão, a título de compensação, e para programas sociais e de investimento em infraestrutura. Essas propostas foram rejeitadas, de forma inaceitável, publicamente, pelo negociador paraguaio ao qualificar, pela imprensa, como "piada" algumas das propostas apresentadas pelo governo, para "choque e espanto" da diplomacia brasileira.
Apesar dos esforços conciliatórios do governo brasileiro, a negociação não avançou. O impasse ficou caracterizado pela ausência de comunicado ou de atos a serem assinados, como estava previsto. Os entendimentos prosseguirão durante a visita do presidente Lula ao Paraguai em junho, quando já se pode prever, com muito mais razão, que o governo paraguaio vai manter a sua posição intransigente.
O pedido de arbitragem internacional acenado por Assunção deveria ser aceito, sem confrontação e de comum acordo, para terminar de uma vez por todas com essa questão. O Brasil está respaldado por um tratado internacional livremente aceito, apesar de agora os novos dirigentes paraguaios o considerarem ilegítimo por ter sido assinado no tempo em que nos dois países se vivia um regime militar.
Com a arbitragem o Brasil daria uma saída honrosa ao presidente Lugo e desvincularia o oferecimento de apoio ao Paraguai da reivindicação no tocante a Itaipu. A aceitação da arbitragem deve ser seguida de medidas concretas de auxílio econômico e assistência ao Paraguai na linha das propostas que foram apresentadas e rejeitadas como "migalhas" pelas autoridades daquele país.
Afastado temporariamente o obstáculo da modificação do tratado, toda a agenda bilateral poderia ser discutida e resolvida com menos estresse: o programa de ajuda econômica do Brasil, a situação dos 300 mil brasiguaios, plantadores de soja, ameaçados de expulsão pela expropriação de suas terras e o controle dos ilícitos na fronteira. Muitos, nos anos 1970, quando a hidrelétrica foi construída, previram que Itaipu poderia representar para o Brasil o que o Panamá significou para os Estados Unidos (contencioso em razão da abertura do canal entre o Atlântico e o Pacífico). A História está provando que essa análise era correta.
(Por Rubens Barbosa*, O Estado de S. Paulo, 12/05/2009)
* Consultor de negócios e presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp