Estudo sobre o teor de metais em solos superficiais de 14 parques públicos do município de São Paulo revelou elevada presença de metais potencialmente tóxicos, como chumbo, cobre e arsênio. As concentrações estão acima dos valores de referência definidos pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) e acima de valores de intervenção em países como Alemanha e Holanda, o que poderia representar risco para a saúde dos frequentadores.
Durante dois anos, de 2006 a 2008, a química Ana Maria Graciano Figueiredo, pesquisadora do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), coletou e analisou amostras de solos urbanos dos seguintes parques da capital paulista: Luz, Buenos Aires e Trianon, na região central; Vila dos Remédios, Cidade de Toronto e Rodrigo Gáspari (zona Norte); Ibirapuera e Guarapiranga (zona Sul); Carmo, Raul Seixas e Chico Mendes (zona Leste); Raposo Tavares e Alfredo Volpi (zona Oeste).
A amostra foi definida pela abrangência de várias regiões da cidade e pela localização. A ideia foi estudar parques em pontos com diferentes densidades de tráfego de veículos, uma vez que estudos em cidades como Madri, Palermo, Hong Kong e Paris associaram o aumento na concentração de metais em solos urbanos à elevação da poluição por metais no meio ambiente, como os originados pela deposição atmosférica de partículas geradas pelo tráfego de automóveis.
Em uma pesquisa preliminar, Ana Maria analisou a concentração de platina, paládio e ródio – elementos comumente presentes nos catalisadores dos automóveis – em solos adjacentes à rodovia dos Bandeirantes. A pesquisadora observou que, quanto mais próximo à estrada, maior era a concentração desses elementos e de materiais relacionados ao tráfego (como chumbo, cobre e zinco) e vice-versa. A experiência inspirou o trabalho nos parques da metrópole.
Com autorização e apoio do Departamento de Áreas Verdes (Depave) da Prefeitura de São Paulo, foram coletadas amostras do solo de cada um dos parques, em profundidades de 0 a 20 centímetros, e em linhas cruzando os parques, a cada 30 metros de distância, buscando maior representatividade na coleta. O material foi reunido especialmente em locais com maior frequência, como áreas de lazer, playground, áreas de práticas esportivas e de caminhada.
“As amostras foram analisadas por ativação de nêutrons instrumental e fluorescência de raios X, técnicas que apresentam alta sensibilidade e exatidão na análise quantitativa e qualitativa do material, sem destruí-lo”, explicou Ana Maria. “O foco da análise foi observar as concentrações de chumbo, cobre, cromo, zinco, cobalto, bário, arsênio e antimônio, por apresentarem riscos à saúde humana e serem os mais comumente encontrados em casos de contaminação de solos”, disse.
Ana Maria explica que metais são naturalmente encontrados em solos. “Porém, em altas concentrações, qualquer um dos elementos encontrados na amostra pode oferecer riscos à saúde, até mesmo o zinco, que é essencial à saúde. Os valores de referência da Cetesb são equivalentes a um solo considerado limpo, ou seja, cuja concentração está dentro de padrões naturais”, acrescentou. Realizado com apoio da FAPESP na modalidade Auxílio a Pesquisa – Regular, o estudo revela que, com exceção do cobalto, todos esses elementos estão presentes no solo dos parques analisados em quantidade acima dos valores de referência da Cetesb e de agências reguladoras de países como Holanda e Alemanha.
Valores e parâmetros
Algumas concentrações de metais chamam atenção. Foram encontradas elevadas concentrações de chumbo nos parques Buenos Aires (439 mg/kg), Luz (209 mg/kg), Trianon (230 mg/kg) e Aclimação (260 mg/kg). Essas quantidades estão acima do Valor de Intervenção Agrícola (VI) para o metal, que é de 180 mg/kg. O indicador é usado pela Cetesb para apontar a partir de qual concentração algum elemento pode oferecer riscos potenciais, diretos ou indiretos, à saúde humana, considerando a exposição a solos genéricos (existem valores para solo residencial e industrial).
Tanto o Parque Buenos Aires como o da Luz têm concentração de cobre de até 382 mg/kg e 324mg/kg, respectivamente, quantidade superior ao VI, definido em 200 mg/kg e acima dos parâmetros internacionais (190 mg/kg). Já o Trianon, com 106 mg/kg de cobre está acima do Valor de Prevenção (VP) da Cetesb, que define a concentração de determinada substância, acima da qual podem ocorrer alterações prejudiciais à qualidade do solo e da água subterrânea. Para o cobre, o VP é 60 mg/kg.
O nível de concentração de cromo nos parques Ibirapuera (121mg/kg), Aclimação (112), Luz (146), Buenos Aires (105) e Vila dos Remédios (103) está acima do VP, que a Cetesb estabelece em 75 mg/kg. “Com exceção dos parques Alfredo Volpi, Raul Seixas, Carmo e Guarapiranga, todos os demais estão com concentração de zinco acima do Valor de Referência de Qualidade (VRQ), definido pela Cetesb como parâmetro para solo limpo ou para qualidade da água subterrânea”, disse Ana Maria.
Para cromo, o VRQ é 60 mg/kg. Vale destacar que o Parque Buenos Aires tem concentração de cromo de 423 mg/kg, o que supera o parâmetro de prevenção da Cetesb, que é de 300 mg/kg. Os valores de bário encontrados nos parques Toronto (875 mg/kg) e Rodrigo de Gáspari (936 mg/kg) excedem os valores de referência da Holanda, onde possivelmente seria recomendada uma investigação.
Guarapiranga, Vila dos Remédios, Luz, Trianon e Aclimação estão com concentração de bário acima do Valor de Intervenção sugerido pela Cetesb. O antimônio é outro metal presente em quantidade acima do VI (5mg/kg), especialmente nos parques da Luz (11,5 mg/kg) e Buenos Aires (12 mg/kg). A concentração de arsênio é de 39 mg/kg nos parques Ibirapuera, Aclimação, Trianon e Vila dos Remédios; 40mg/kg no parque Chico Mendes e 56 mg/kg no da Luz, todos acima dos valores de intervenção da Cetesb e da Holanda, que estão fixados em 35 mg/kg.
“Os parâmetros da Cetesb são os únicos disponíveis para solos do Estado de São Paulo. Porém, os valores da companhia se baseiam em resultados de análises realizadas com auxílio de ácidos, enquanto as técnicas de ativação de nêutrons instrumental e fluorescência de raios X são valores totais, uma vez que não há dissolução do material, o que pode ocasionar diferenças nos resultados”, ressaltou Ana Maria.
Riscos à saúde
Para a pesquisadora do Ipen, a influência da qualidade do solo na saúde de seres humanos tem sido pouco estudada e mesmo subestimada. “Por meio da ingestão de solo aderido à pele ou aos dedos, inalação e absorção dérmica, os componentes minerais, químicos e biológicos dos solos podem ser prejudiciais à saúde”, apontou. Segundo Ana Maria, a ingestão de solo tem sido reconhecida como a mais importante fonte de contaminação por chumbo, especialmente por crianças, que são mais suscetíveis.
“Elevadas concentrações de metais no solo têm sido relacionadas a altas concentrações de metais no sangue de crianças. Retardamento do desenvolvimento cognitivo e atividade intelectual prejudicada em crianças têm sido relacionados a exposição a chumbo, por exemplo”, disse.
Os resultados do estudo foram publicados em artigo no Journal of Radionalytical and Nuclear Chemistry em março e serão apresentados no Congresso Brasileiro de Geoquímica, em outubro, em Ouro Preto. Em continuidade à sua investigação, a pesquisadora está analisando também a característica dos solos da marginal Pinheiros, marginal Tietê, Rebouças, Tiradentes, Radial Leste, Jacu Pêssego e 23 de Maio.
(Por Jussara Mangini, Agência Fapesp, 08/05/2009)