Exame usado no Brasil não detecta DNA modificado em produto industrializado que usa matéria-prima transgênica. Rotulagem correta de alimentos com o selo de "transgênico" depende de fiscalização na produção, processo caro e raro no país
Os testes feitos para a detecção de DNA transgênico em alimentos processados não é capaz de garantir que todos os produtos examinados sejam verdadeiramente livres de OGM (organismos geneticamente modificados). A informação é do laboratório AgroGenética, contratado pelo Ministério da Justiça para produzir 280 análises por ano em alimentos coletados pelos Procons em todo o país. A empresa também é encarregada de fazer análises de sementes, grãos e partes de plantas para o Ministério da Agricultura.
Adotada pelo laboratório, a técnica de PCR (reação em cadeia da polimerase, análise capaz de detectar DNA de organismos transgênicos presentes em amostras) não é capaz de encontrar genes de OGM em alimentos altamente processados ou em carnes "in natura".
Nos dois casos, a ausência de DNA transgênico não significa que o processo industrial de produção desses alimentos não tenha usado OGM.
Pela lei brasileira de rotulagem, o resultado "ausência" de DNA transgênico na amostra não é atestado definitivo para a não rotulagem do produto. É necessário saber se no processo industrial foram usados grãos OGM para a produção do alimento. Para o diretor do DPDC (Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor), do Ministério da Justiça, Ricardo Morichita Wada, responsável pelo cumprimento das regras de rotulagem no Brasil, a fiscalização não tem encontrado transgenia em suas análises. Ele também diz, entretanto, que o monitoramento não deve ser feito exclusivamente nos produtos finais, mas também ao longo da cadeia, algo que está sob a responsabilidade do Ministério da Agricultura.
Fiscalização no campo
A reportagem da Folha tentou falar com o coordenador de Biossegurança de OGM do Ministério da Agricultura, Marcus Vinícius Segurado Coelho, ao longo da semana. O coordenador alegou problemas de agenda, mas respondeu por e-mail a questões relativas ao trabalho de fiscalização do governo. Coelho negou que a fiscalização não esteja sendo feita, mas admite que pode haver problemas. "Com relação às regras de produção, é possível que ocorram casos de descumprimento num primeiro momento em face da novidade das regras. Isso ocorre em qualquer atividade regulamentada e não seria diferente para o presente caso. Nesse momento é que é importante a fiscalização", disse.
O Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), instituição que tem cobrado o cumprimento da rotulagem, acusa o Ministério da Agricultura de ignorar ações de fiscalização efetiva no campo. Segundo Andrea Lazzarini Salazar, advogada do Idec, o desprezo do ministério pela questão facilita a ação da indústria alimentícia e dá a ela a chance de burlar a lei sem ser incomodada. "Sem a rastreabilidade da produção no campo, simplesmente não é possível exigir a rotulagem dos produtos só com as análises feitas sobre o produto pronto. É por isso que hoje o país produz de 40% a 60% de soja transgênica e o número de produtos rotulados é ínfimo", afirma.
Em 2008, o Idec recolheu 51 alimentos contendo proteína de soja e os encaminhou para testes fora do país. Do total, 21,5% dos produtos continham OGMs, mas não foi possível quantificar o percentual, dado o elevado processamento desses alimentos, algo que praticamente inviabiliza apurar a concentração de transgênicos.
Com base nessa constatação, o Idec acusa indústrias de carnes e aquelas nas quais o nível de processamento da proteína é elevado de se "esconderem" na impossibilidade de calcular a concentração de DNA transgênico no produto final para simplesmente não adotarem a rotulagem. Nesse caso, o flagrante só pode ser obtido se a fiscalização fizer testes na ração servida a frangos e a suínos ou nos grãos usados no processo de alimentos industrializados, o que, segundo o Idec, não ocorre.
No caso do óleo de soja, a rotulagem só começou a ser cumprida, afirma o instituto, após ação civil do Ministério Público de São Paulo, cujo conteúdo baseou-se em denúncia do Greenpeace. Segundo Reginaldo Minaré, advogado da ANBio (Associação Nacional de Biossegurança, organização de defesa dos transgênicos nos alimentos), o rastreamento para posterior rotulagem dos alimentos, se feito como a lei exige, inviabilizaria a tecnologia no país. De acordo com ele, a indústria considera a rotulagem exagerada e uma antipropaganda.
Milho transgênico autorizado no Brasil foi proibido na Alemanha
O milho Bt Mon 810, tecnologia de propriedade da multinacional Monsanto, teve a autorização de cultivo revogada recentemente na Alemanha. Esse foi o sexto país da União Europeia, região que já havia aprovado o uso da tecnologia, a revogar a autorização para o plantio. Além de proibido em solo alemão, a autorização para o cultivo também foi suspensa em Luxemburgo, Hungria, Áustria, Grécia e França. O milho vetado pelo governo alemão possui o mesmo gene inserido no DNA de variedades de milho cultivado neste momento no Brasil. Em algumas regiões do Paraná, o plantio de milho com a tecnologia atingiu 40% da área plantada.
Produtores descartam separação
A Comigo, maior cooperativa do Centro-Oeste, diz que não irá separar milho transgênico do convencional por causa do custo. A Copavel (PR) fará a separação do milho OGM nas granjas de frangos e suínos por enquanto. Mas admite usar farelo de soja transgênica na ração animal.
Produtor perde dois contratos por contaminação
Ademir Vicente Ferronato, 52, é produtor rural em Medianeira, cidade entre Foz do Iguaçu e Cascavel. Ferronato é também uma vítima do avanço da soja geneticamente modificada e, por causa disso, um ex-produtor orgânico. Em audiências públicas na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados e na CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), o pequeno produtor contou como perdeu por duas vezes contratos especiais para a venda de soja convencional devido à contaminação do lote por sementes transgênicas. A última vez em que isso ocorreu foi na última safra de verão.
Agora, a nova preocupação de Ferronato é o que pode ocorrer com o milho. A pequena lavoura de sete hectares em Medianeira está exatamente ao lado de um plantio de milho transgênico. "O pólen do milho "anda" três quilômetros. O milho dele está do lado do meu", afirmou. A situação desse pequeno produtor não é a única.
A Gebana Brasil, trading suíça que compra e negocia contratos na Europa, tem recusado a produção de muitos produtores da região devido à contaminação por grãos geneticamente modificados. A contaminação ocorre por vários motivos, desde o uso de uma máquina que não tenha sido completamente limpa até a poeira produzida na colheita de um vizinho com lavoura transgênica.
Para os pequenos produtores do Paraná, esse tipo de contrato é muito importante. Sem escala de produção, esses contratos para fornecimento de soja e milho orgânicos lhes garantem remuneração maior por tonelada. "O preço pago por uma tonelada de grãos orgânicos chega a ser entre 15% e 20% maior que o negociado em ofertas de milho ou soja convencionais", afirma Eduardo Mattioli Rizzi, gerente do Departamento Agrícola da Gebana Brasil.
(Folha de S. Paulo, 10/05/2009)