No dia 15 de fevereiro a gente podia ler, no blog do Moacir Pereira, a seguinte notinha (também publicada, com pequenas variações, em outras colunas, como a da Estela Benetti):
“Quinta dos Ganchos: Secretário Onofre Agostini e técnicos da Fatma estiveram neste fim de semana em Marbella com os investidores espanhóis que pretendem implantar um moderno empreendimento turístico em Governador Celso Ramos, denominado Quinta dos Ganchos. Segundo e-mail da assessoria de Agostini, no porto de Banus questionaram equipamentos, infraestrutura, vantagens socioeconômicas do empreendimento. Entre os principais tópicos levantados pelos técnicos da Fatma, destaque para os aspectos ambientais.”
A dúvida
Ora, ora, com que então “investidores espanhóis” levaram um secretário de estado e “técnicos da Fatma” para um passeio na Espanha, como se vê na foto acima, distribuída pelo secretário? Que história é essa? O caso é meio antigo, mas volto a ele provocado por leitores, que têm me enviado e-mails perguntando exatamente isso.
O empreendimento
Os tais “investidores” estão projetando o “Quinta dos Ganchos”, um mega-loteamento de luxo no município de Governador Celso Ramos, naquela área plana entre a BR 101 e a península dos Ganchos. Além de casas e edifícios, o projeto prevê quatro campos de golfe, pista de equitação, quadras de tênis, centro comercial e uma marina para mil barcos. Se quiser conhecer com maior detalhe, visite o site do empreendimento. Lá tem mapas, croquis e cronograma da obra: www.quintadosganchos.com.br.
Não é coisa pequena. O investimento total está estimado em R$ 2,5 bilhões (há quem diga que apesar do site falar em reais, serão dois bilhões de euros). Não são milhões, são bilhões. Vai mexer com uma área de cerca de 12 milhões de metros quadrados. E quando disse mexer, não é força de expressão: pelos croquis que tem no site, serão construídas marinas, canais, reorganizando toda a área.
As preocupações
Bom, se eu fosse gastar tanto dinheiro assim, também ficaria muito preocupado. Principalmente num estado onde o próprio governador queixa-se da demora dos laudos ambientais, reclama das leis ambientais e chegou, recentemente, até a propor um código ambiental controverso. Ah, e desencadeou, com igual potencial polêmico, as discussões sobre o ordenamento costeiro. Tudo isso diz respeito, diretamente, a quem pretenda fazer um hiper-super-projeto de R$ 2 bilhões, no litoral catarinense.
Aí, é claro que eles se preocuparam em levar autoridades catarinenses para ver projetos já prontos, não só para mostrar que tipo de coisa pretendem fazer, como também para mostrar que são grandes, importantes e respeitados em seus países de origem.
O pedido
A história começou em 21 de janeiro, quando o então presidente da empresa, Carlos Leomar Kreuz (que já estava de malas prontas para deixar a empresa) mandou para o governador LHS um ofício informando que a Fatma estudava o licenciamento ambiental da Quinta dos Ganchos.
E, afirmando que não existe nada parecido no estado “e possivelmente no Brasil”, Kreuz pedia autorização para que “a equipe de análise do processo” fosse à Espanha “com o objetivo de conhecer empreendimentos similares existentes, de forma a ampliar subsídios para a adequada análise e decisão quanto ao licenciamento ambiental do projeto pretendido”.
No mesmo ofício o presidente (aquele que teve dólares apreendidos pela PF numa das gavetas do seu gabinete de trabalho) informa que as despesas, de R$ 60 mil, seriam custeadas pela Fatma.
A autorização
Como LHS é um sujeito moderno, arrojado e entusiasta de tudo o que vem de fora, é claro que ele autorizou. Na hora. E lá foram todos os sete funcionários, para o passeio noticiado na nota do Moacir. Segundo a Fatma me explicou agora, na última quinta-feira, “O fato de toda a equipe ter realizado a viagem foi exigência da FATMA, justamente para desqualificar qualquer ilação que por ventura pudesse recair sobre apenas um funcionário, com a relação a qualquer benefício individualizado.”
Pontas soltas
O fato da equipe da Fatma ter realizado a viagem com recursos públicos tem dois aspectos importantes. O primeiro, naturalmente, é que não teria cabimento se a viagem fosse paga pelos interessados no licenciamento. O segundo, é que, até onde consegui saber, os técnicos não foram à Espanha para conversar com as autoridades de lá sobre como tem sido administrado o impacto ambiental de empreendimentos desse tipo. Foram só conhecer os empreendimentos, ciceroneados pelos “investidores”. Nas informações que me enviou sobre a viagem, a Fatma não faz qualquer referência a contatos da equipe com o governo das áreas visitadas. Parece que foram mesmo apenas para ver como a coisa ficará “depois de pronta”.
Caso tenha sido só isso mesmo, perderam os técnicos uma oportunidade preciosa, de contato com colegas que enfrentam, lá, dificuldades semelhantes às que eles têm aqui (da incompreensão dos governantes com a necessária cautela dos licenciamentos, à pressão natural dos “investidores”). Seria, com pouco esforço, uma viagem realmente proveitosa e com possibilidade de reduzir o tamanho da nuvem de suspeitas que essas coisas sempre levantam.
Ficou parecendo mais ou menos como se eu convidasse o fiscal da prefeitura que aprova os projetos de construção, para ir até Porto Alegre, onde eu mostraria uma casa igual à que pretendo construir em Florianópolis. Dessa forma, ele teria melhores condições de ver como ficará depois de pronta.
Uma viagem, sem dúvida, é muito mais divertida do que ter que avaliar a coisa apenas olhando as plantas do projeto. E o que o secretário do desenvolvimento sustentável foi fazer por lá? Ora, por que ele não iria se, antes dele, o próprio LHS já esteve em Puerto de Sotogrande (Marbella, Espanha) e até o prefeito de Gov. Celso Ramos? Todos querem conhecer como será o espetacular empreendimento que promete abrir uns 15 mil postos de trabalho e atrair gente rica do mundo todo.
(Por César Valente, De Olho na Capital, 02/05/2009)