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assassinatos violência rural conflito fundiário
2009-05-11

Se quem mandava antes eram os latifundiários, hoje são as grandes corporações que estão por trás da concentração da terra e da violência no campo.

Uma emboscada executada por "agentes" de uma empresa privada de segurança, no dia 16 de abril, deixou sete camponeses feridos na Fazenda Espírito Santo, no município de Xinguara, no sul do Pará. Munidos de armas de grosso calibre, os seguranças particulares da Agropecuária Santa Bárbara atiraram contra integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que, desde fevereiro, permanecem acampados na área.

Por pouco, o incidente não repete outro massacre, o de Eldorado dos Carajás que, por coincidência, também ocorreu no sul do Pará quase no mesmo dia, 17 de abril de 1996. Na chamada curva do "S", 19 sem terras foram mortos e centenas ficaram feridos depois de uma ação da Polícia Militar para conter os manifestantes que, após dias de marcha, protestavam na rodovia PA-150.

As recentes tentativas de assassinato em Xinguara demonstram que, com novas características, a violência cometida em Eldorado dos Carajás continua. De acordo com o último relatório "Conflitos no Campo Brasil", elaborado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e divulgado no dia 28 de abril, os conflitos continuam uma constante para milhões de camponeses, indígenas, remanescentes de quilombo e outras populações.

Pistolagem reciclada
Apesar da recorrente violência no campo que já parece fazer parte da formação estrutural do País, o ingresso de grandes conglomerados econômicos na disputa pela terra impulsiona novas formas de violência. Se antigamente, os fazendeiros utilizavam apenas serviços de pistoleiros, cada vez mais esse trabalho é executado por agentes de empresas privadas de segurança, que agem como verdadeiros "capangas" na defesa das propriedades. Com isso, "o grande capital internacional acaba adotando uma prática dos coronéis, contratando milícias privadas", diz Jucelino José Strozake, advogado do MST.

Na Amazônia, inclusive, essa prática vem sendo recomendada por integrantes do próprio poder público. "A bancada ruralista e a CNA [Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil], através da senadora Kátia Abreu [DEM-TO] e de alguns outros parlamentares da bancada ruralista, têm insistentemente dito que os fazendeiros têm que contratar seguranças e proteger a qualquer custo suas terras", denuncia José Batista Afonso, advogado e membro da Comissão Pastoral da Terra. Ao contrário do que poderia parecer, a contratação dessas empresas de segurança em lugar de pistoleiros não significa avanço nem mais "transparência" nas relações do campo, já que a maioria dessas firmas, segundo Afonso, não tem a devida regulamentação.

Isso dificulta, por exemplo, um controle sobre a verdadeira quantidade de armas que cada empresa possui. Além disso, a falta de fiscalização também possibilita a contratação de pistoleiros para atuarem em ações de reintegração de posse e despejos. Longe de estar em extinção, a prática da pistolagem ainda está em alta, especialmente no norte do país. "A empresa às vezes tem X seguranças contratados legalmente e, nas ações, se incorporam pistoleiros que não tem nada a ver. Careceria, além de um controle, uma investigação direta da Polícia Federal sobre essas práticas", afirma o membro da CPT.

Amazônia, o grande foco
Apesar de todas as regiões brasileiras apresentarem índices elevados de concentração da terra e, consequentemente, de violência no campo, é na Amazônia que a situação tem se tornado mais preocupante. De acordo com o relatório da CPT, em 2008, 47% dos conflitos ocorreram no território amazônico, mais da metade deles atingindo diretamente comunidades tradicionais. A área também foi responsável por 72% dos assassinatos - somente no Pará ocorreram 13 das 28 mortes em todo o Brasil.

O avanço da violência na Amazônia, na avaliação de Afonso, está ligada ao aparecimento de novos atores na estrutura fundiária brasileira: as empresas transnacionais e os megaconglomerados econômicos. Se antes o latifúndio era representado pela figura do coronel, o dono de todas as terras da região, agora esse papel fica com grandes grupos econômicos, que vêm adquirindo terras para a expansão de seu capital.

O foco na Amazônia, explica Afonso, está justamente na possibilidade de exploração das riquezas que a região possui, especialmente com a alta crescente de preços de produtos como a soja, a carne e de recursos minerais no mercado internacional. "Sem dúvida nenhuma a intensificação da frente da pecuária, a expansão das monoculturas, principalmente da soja, e a frente da mineração têm provocado uma corrida violenta em direção às riquezas da Amazônia", avalia.

Um exemplo disso é o grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas que, sozinho, comprou cerca de 500 mil hectares no sul do Pará em apenas dois anos.

O caso do grupo Opportunity serve, ainda, para ilustrar a aquisição irregular de terras públicas na região. Tramita na Vara Agrária de Redenção uma ação pedindo o cancelamento da compra da Fazenda Espírito Santo. As terras, que pertencem ao estado do Pará, segundo o processo, teriam sido repassadas irregularmente por membros da família Mutran, que, na época, detinham o título de aforamento da propriedade.

Somente no estado do Pará, mais de seis mil títulos de terras registrados nos cartórios do estado contém irregularidades, de acordo com um estudo recente do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), em conjunto com outras entidades. Juntos, os papéis representam mais de 110 milhões de hectares, em áreas possivelmente griladas.

Comunidades na mira

O avanço da violência na Amazônia contribui também para o aumento da agressão contra as populações tradicionais. Segundo o relatório da CPT, em 2007, essas comunidades representavam 41% dos envolvidos em conflitos no Brasil; em 2008, essa proporção passou para 53%, reduzindo de 44% para 36,3% a participação de movimentos sem terra que, até então, eram os principais protagonistas nessa relação.

No caso específico da Amazônia, as comunidades tradicionais representam hoje 65,4% dos atores implicados nesses embates, evidenciando a cobiça do capital por novas áreas. "Populações como os ribeirinhos, indígenas e remanescentes de quilombo estão vendo suas terras sendo invadidas, destruídas, sofrerem os efeitos da contaminação em função da expansão desses grandes investimentos que acabam desterritorializando esses povos que residem ali há muito tempo", explica.

Além das populações tradicionais, a violência também pessoas que se mudam para a Amazônia motivadas pelas promessas de empregos que seriam resultado da construção de grandes obras. Neste aspecto, Afonso também critica o governo federal que, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), tem contribuído para a migração de famílias pobres, especialmente vindas do Nordeste.

"Na região, por exemplo, do sul e sudeste do Pará, a migração se dá em função dos projetos de mineração que estão sendo abertos pela Companhia Vale e por projetos de construção de hidrelétricas, que estão dentro do PAC obedecendo ao interesse desses grandes grupos econômicos. Ao chegar, essas famílias, não tendo alternativa, ingressam principalmente em dois movimentos, o de ocupação urbana e o de ocupação rural", pontua.

Particularidades regionais
As formas de violência promovidas por esses grupos mudam pouco de uma região para outra do país. Assassinatos de lideranças, despejos truculentos, ataques de milícias, utilização de trabalho escravo e outras violações de direitos humanos são características presentes em todos os estados.

O que difere, para Afonso, é o grau de violência, mais elevado em regiões visadas pelo capital, como é o caso da Amazônia atualmente. "Onde o capital está, de certa forma, consolidado, sem dúvida no Centro-sul e no Sul do país, é claro que existe violência, mas em proporção menor, porque são regiões em que o capital tem quase controle total das terras", analisa.

Os interesses econômicos são apontados, ainda, como um fator que pode influenciar a atuação das polícias militares, comandadas pelos governos estaduais. Para Strozake, são esses interesses que justificam, por exemplo, uma polícia ser mais violenta do que outra, e não são aspectos específicos e históricos de cada região.

Ele cita, por exemplo, o caso do Pará. Protagonistas da violência no caso do Massacre de Eldorado de Carajás, a Polícia Militar hoje, por determinação da governadora Ana Júlia Carepa (PT), tenta construir uma atuação menos agressiva. Já a Brigada Militar, no Rio Grande do Sul, só aumentou a violência contra organizações camponesas e movimentos urbanos desde que a governadora Yeda Crusius (PSDB) assumiu o poder. "Depende muito de quem está administrando o estado. Se quem administra é subserviente aos interesses do grande capital e do latifúndio, a Polícia Militar também passa a agir como um braço armado do poder econômico local", avalia.

(Por Patrícia Benvenuti, Brasil de Fato, 07/05/2009)


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