Líderes ruralistas, órgãos do governo e até movimentos de sem-terra esperam que traga agilidade à Justiça
O Conselho Nacional de Justiça realiza nesta segunda (11/05), em Brasília, o seminário de instalação do Fórum Nacional para Monitoramento e Resolução dos Conflitos Fundiários Rurais e Urbanos. Sugerida por Gilmar Mendes, presidente do conselho e do Supremo Tribunal Federal, a iniciativa tem o objetivo de estudar e propor medidas destinadas a aperfeiçoar e dar agilidade às ações da Justiça numa área em que a insegurança e os conflitos parecem não ter fim, especialmente na zona rural.
De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), em dez anos, entre 1999 e 2008, foram registrados na zona rural 5.335 conflitos envolvendo a posse da terra - o número engloba assassinatos, despejos, expulsões, tentativas de homicídio e agressões. No mesmo período, os movimentos de sem-terra invadiram 3.685 propriedades. No Pará, Estado que registra o maior número de conflitos, os proprietários rurais têm nas mãos cerca de 100 mandados de reintegração de posse que não foram cumpridos.
Para onde quer que se vire é possível ouvir reclamações contra a inoperância do Judiciário, fato que causa a sensação de impunidade e estimula novos conflitos. Talvez seja por isso que quase todos os setores envolvidos vejam com simpatia a iniciativa de criação do fórum. O desembargador Gercino José da Silva Filho, que há dez anos media conflitos agrários, à frente da Ouvidoria Agrária Nacional, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, classifica a iniciativa como "louvável".
Na opinião dele, "o fórum vai contribuir para a especialização dos órgãos que cuidam dos conflitos, principalmente no que se refere à criação de varas agrárias". No conjunto dos 27 Estados brasileiros, apenas 9 possuem varas especializadas da Justiça Estadual para o julgamento de conflitos agrários. Na área da Justiça Federal, o número é ainda menor: só existem varas agrárias federais em 5 unidades federativas.
No Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, a procuradora-chefe da Procuradoria Federal Especializada, Gilda Diniz dos Santos, também elogia: "É um excelente espaço de discussão. Pode resultar na apresentação de normas que ajudem a dar soluções mais rápidas para os processos". No fórum de hoje em Brasília, a procuradora apresentará um levantamento preliminar que aponta a existência de 220 processos de desapropriação de terras, para a reforma agrária, que estão parados na Justiça. Eles englobam uma área, segundo a procuradora, na qual seria possível assentar mais de 11 mil famílias.
A presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, senadora Kátia Abreu (DEM-TO), conta que enviou uma carta a Gilmar Mendes, assim que soube da iniciativa, para cumprimentá-lo. "Espero que o fórum ajude a por fim a essa sensação de relativização do direito de propriedade que existe hoje no País", diz.
"Não param de surgir decretos, portarias, ações disfarçadas de bandeiras sociais a favor de quilombolas, indígenas, sem-terra. Respeito os direitos desses grupos, mas eles são usados como nuvem de fumaça, como tentativa de silenciar o discurso contrário e impedir que a população veja que o direito de propriedade, um dos direitos pétreos da Constituição, está sendo agredido." A entidade presidida pela senadora hoje patrocina, direta ou indiretamente, quatro ações diretas de inconstitucionalidade (Adins), que tramitam há anos no STF. Questiona, entre outros tópicos, a regularização de terras de quilombos.
Expectativa
Do lado de entidades que apoiam a reforma agrária e os sem-terra, ainda há certa desconfiança. Elas estão convencidas de que está em curso uma onda de criminalização dos movimentos sociais. Dias atrás, ao divulgar o seu relatório anual de conflitos no campo, a Comissão Pastoral da Terra destacou que ela ocorre sobretudo na esfera do Judiciário. Além da faixa da desconfiança, porém, persiste certa expectativa de que surjam propostas capazes de dar agilidade aos processos. Para João Pedro Stédile, líder do Movimento dos Sem-Terra (MST), o fórum só terá validade se tomar medidas concretas nessa direção.
"O concreto que esperamos de um fórum como esse é que agilize os 220 processos de desapropriação parados na Justiça", diz ele. "Não se pode esquecer também dos 1.600 casos de assassinatos de trabalhadores, ocorridos nos últimos 20 anos, dos quais apenas 80 tiveram algum julgamento. E o que o seu Gilmar tem a dizer sobre a demarcação das terras dos índios pataxós, da Bahia, parada há quase 30 anos no STF?" Seja qual for o viés, o fato é que há um descontentamento generalizado em relação ao Judiciário na a área dos conflitos agrários. Daí a expectativa que cerca o fórum.
(Por Roldão Arruda, O Estado de S. Paulo, 11/05/2009)