Voltou ao terreno da polêmica, nas últimas semanas, no Brasil e em vários outros países, o complexo tema dos alimentos transgênicos. Principalmente por causa do veto do governo alemão ao plantio e comercialização de uma variedade de milho geneticamente modificado, com o argumento de que prejudica polinizadores e outras espécies. Por isso, o princípio da precaução, previsto na Convenção da Diversidade Biológica, justificaria a proibição, já acompanhada por vários outros países, entre eles França, Grécia, Luxemburgo, Áustria, Hungria. Justificaria também a exigência de um estudo prévio de impacto ambiental.
Essa variedade de milho já foi aprovada no Brasil pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), sem necessidade do estudo de impacto, que o Ministério do Meio Ambiente pedia, mas foi dispensado pela comissão, que não precisa mais de maioria de dois terços, como antigamente, para tomar decisões (após vários embates, o quórum foi reduzido, por decisão do governo federal, para maioria simples dos 28 membros). E a polêmica está de volta, inclusive porque, neste momento de ameaça de pandemia da gripe suína, a França também aprovou o rótulo "alimentado sem transgênico" para produtos animais.
Não bastasse, um jornal argentino publicou estudo do Laboratório de Embriologia Molecular da Universidade de Buenos Aires que aponta a toxicidade do glifosato (o agrotóxico a que resistem plantios transgênicos) para embriões de anfíbios. E o Ministério da Defesa daquele país proibiu o plantio de soja transgênica em seus cultivos, ao mesmo tempo que a Associação de Advogados Ambientalistas pedia na Justiça a proibição de comercializar o glifosato. Já o cientista-chefe do Organic Center publicou trabalho para mostrar que as sementes resistentes ao glifosato reduzem o consumo de herbicidas (sua principal vantagem) durante dois a três anos, apenas; depois, perderiam sua eficácia.
No Brasil, trabalhos publicados pela AS-PTA alegam que no planalto norte de Santa Catarina o milho não modificado se mostrou na última safra muito mais lucrativo que o transgênico. No Rio Grande do Sul está na Justiça processo em que agricultores se negam a pagar royalty de 2% à empresa produtora de sementes de soja transgênica. Outros resistem ao arroz modificado. Em Alagoas, apicultores pedem judicialmente indenização pela contaminação de suas colmeias pelo pólen de milho transgênico plantado nas imediações.
Há duas semanas, em debate promovido pelo curso de Gestão Ambiental na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba (SP), o professor Paulo Kageyama, que já foi diretor de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente e é membro da CTNBio, fez exposição minuciosa sobre as inconveniências de liberar variedades transgênicas sem obedecer ao princípio da precaução (que o Brasil, signatário da Convenção da Biodiversidade, obrigou-se a respeitar), como aquele órgão tem feito para soja, algodão, milho e outras espécies.
A seu ver, há muitas incertezas e impactos negativos a serem estudados, inclusive para a agricultura familiar, que responde pela maior parte dos produtos alimentares consumidos no Brasil (82% da mandioca, espécie mais adequada aos solos brasileiros, sem insumos químicos, da qual se pretende aprovar uma variedade transgênica; 58,9% do feijão; 43,1% do milho; 41,3% do arroz, além de 55,4% do leite, 59% da carne suína). Em sua opinião, a pressão das empresas do setor, assim como da área de agrotóxicos, além da predominância absoluta de membros do Ministério da Ciência e Tecnologia (20 em 28) na CTNBio, têm impedido uma avaliação mais rigorosa. Para justificar seu pensamento analisou vários casos no Brasil e no exterior. Outro risco seria a abolição, que está sendo reivindicada da exigência de identificação dos transgênicos no rótulo de alimentos industrializados que os contenham.
Seus argumentos, principalmente o da pressão de empresas, foram contestados com veemência pela representante do Conselho de Informações sobre Biotecnologia, Alda Luiz Lerayer, que ressaltou a dificuldade que órgãos ambientais teriam para analisar possíveis impactos no plantio de variedades transgênicas; o Ibama teria levado quatro anos no caso do feijão, por exemplo. E apontou o alto índice de adesão dos agricultores brasileiros às variedades modificadas. O próprio milho, de aprovação mais recente, já teria sido plantado por 30% deles na última safrinha e deverá chegar a 50% nas próximas safras. A soja transgênica, segundo as notícias mais recentes, já está em mais de 60% da área cultivada.
Outros expositores também chegaram a colocar na mesa mais problemas, como o da "monocultura de genes", já que todas as espécies modificadas e aprovadas contêm o mesmo gene, para serem resistentes ao mesmo defensivo. Ou o de o Brasil ser hoje, também por essa razão, o maior consumidor mundial de agrotóxicos. Ou o da exigência de distância entre as plantações de milho transgênico e as convencionais haver sido reduzida de 400 para 100 metros. E chegou até a entrar em discussão o primeiro caso de transgênico aprovado pela CTNBio, no governo anterior, quando o Ministério do Meio Ambiente, depois de haver anunciado que votaria pela exigência de estudo prévio de impacto, votou a favor da liberação incondicional.
Na ocasião, divulgou-se, sem contestação, que a decisão partira da própria Casa Civil da Presidência, depois de pressionada por um senador, que alegava o risco de ser cancelado um investimento de centenas de milhões de dólares que seria feito pela empresa produtora do defensivo ao qual seria resistente a semente transgênica. Por muitos caminhos, portanto, a discussão está de volta. E merece ir adiante, para que se possam seguir os melhores rumos, num tema tão decisivo para a sociedade, a ciência e a economia.
(Por Washington Novaes, O Estado de S. Paulo, 08/05/2009)