O ministro das Relações Exteriores do Paraguai, Héctor Lacognata, afirmou, nesta quarta-feira (06/05), que existe uma "impaciência crescente" na sociedade paraguaia em relação às discussões com o Brasil sobre o acordo da usina hidrelétrica binacional de Itaipu. Em entrevista por telefone à BBC Brasil, Lacognata defendeu o principal negociador paraguaio para a questão, Ricardo Canese, que, em entrevista ao jornal "Valor Econômico", na última segunda-feira, afirmou que o Paraguai poderia recorrer a tribunais internacionais caso não haja acordo com o Brasil a respeito da energia da usina.
Lacognata, no entanto, afirmou que ainda existe espaço para discussão. "O engenheiro [Ricardo] Canese expressou o sentimento da sociedade paraguaia, sentimento de impaciência crescente em relação a esta discussão. Acho, pessoalmente, que ainda falta esgotar as negociações [bilaterais], mas Canese traduziu o que se percebe na sociedade". Lacognata ressaltou que sua expectativa é de que ocorram "avanços" nas discussões previstas para esta quinta e sexta-feira, durante a visita oficial do presidente paraguaio, Fernando Lugo, ao Brasil.
"Entendo que essa discussão ainda pode seguir na área bilateral. Mas veremos o que vai ocorrer. Sem dúvida, esse encontro vai ser importante para marcar a tendência nessas negociações" afirmou. O chanceler paraguaio afirmou ainda que o governo Lugo percebe a "compreensão" do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação aos problemas do Paraguai. "Temos esperanças de ir ajustando [Paraguai e Brasil] nossas visões. E acho que estamos avançando a passos firmes. Percebemos muita compreensão do presidente Lula aos problemas do nosso país".
O presidente do Paraguai, Fernando Lugo, estará em Brasília, acompanhado por Lacognata, entre outros ministros e assessores, para uma série de reuniões, nesta quinta-feira, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua equipe. Na sexta-feira (08), os dois presidentes irão ao Mato Grosso do Sul, para participar da viagem inaugural do "Trem do Pantanal", segundo o Itamaraty.
Energia
Héctor Lacognata afirmou que o tema de Itaipu se tornou uma questão de debates em universidades, sindicatos, entre outros fóruns no Paraguai. Ele classificou a questão energética como "fundamental" para seu país. "Para nós, a discussão sobre Itaipu não é apenas uma questão econômica. É questão de soberania energética. O que significa dizer que queremos liberdade para vender nossos recursos naturais, a preço de mercado, a outros países. (Queremos) que, paralelamente, o Brasil pague mais pela energia que consome do Paraguai. Hoje, o Brasil paga cerca de vinte vezes menos do que o preço de mercado", afirmou.
Lacognata disse ainda que espera uma proposta do governo brasileiro para que o Paraguai tenha "liberdade" para vender esta energia que não consome a outros países. Pelos termos do acordo, esta energia é obrigatoriamente vendida ao Brasil.
Revisão
A revisão do chamado Tratado de Itaipu foi a principal bandeira da campanha eleitoral de Fernando Lugo à Presidência do Paraguai, no ano passado. Na ocasião, Lugo já dizia que o tratado é um acordo assinado durante a ditadura e que precisa ser revisado na democracia. Este tom também foi adotado pelo chanceler paraguaio.
"O tratado de Itaipu foi assinado durante a ditadura e hoje é impossível falar de integração entre países soberanos [com acordos daqueles tempos]. Além disso, essa não é uma questão bilateral, mas regional. Esta energia [que o Paraguai não consome] poderia ser vendida para outros países da região que sofrem com a escassez do produto [como o Chile, por exemplo]."
O chanceler paraguaio destacou que as 20 propostas enviadas pelo governo brasileiro ao governo Lugo, no final do mês passado, "não têm ligação" com a discussão sobre Itaipu. "Valorizamos a importância destes 20 pontos. Mas são coisas diferentes", disse. No documento, segundo o chanceler paraguaio, o Brasil sugere, por exemplo, investimentos em infraestrutura, com a construção de uma segunda ponte entre os dois países, o apoio para que o Paraguai comece a produzir biocombustíveis, além do combate conjunto à plantação de maconha na região de fronteira, entre outros pontos.
Segundo Lacognata, o governo Lugo fez uma contraproposta ao Brasil, que deverá incluir a regulamentação, dependendo do caso, dos brasileiros que ocupam terras que seriam destinadas à reforma agrária no Paraguai. Lacognata tomou posse como chanceler na última segunda-feira. Ele foi deputado e integrava o Parlamento do Mercosul até ser convidado por Lugo para o cargo.
(Marcia do Carmo, BBC Brasil / Folha Online, 07/05/2009)