O Paraguai vai pressionar o Brasil a comprar a sua parcela da energia da Hidrelétrica de Itaipu a preços de mercado. Alheio ao desgaste político que sofreu nas últimas semanas, o presidente paraguaio, Fernando Lugo, desembarca nesta quinta (07/05) em Brasília disposto a arrancar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma declaração em favor do direito do Paraguai de vender a energia para outros países e a não se deixar levar pela oferta generosa de linhas de crédito, já apresentada pelo Brasil.
De imediato, o Paraguai voltará a exigir o aumento, de US$ 100 milhões para US$ 800 milhões, do pagamento adicional pela energia cedida ao Brasil, adiantou o principal negociador paraguaio, Ricardo Canese. "As ofertas de crédito são bem-vindas, mas não podem substituir nossas demandas em relação a Itaipu", afirmou Canese, referindo-se à proposta brasileira de abertura de uma linha de US$ 1,5 bilhão do Banco Nacional de Desenvolvimento, Econômico e Social (BNDES) para projetos de infraestrutura no Paraguai.
A posição paraguaia antecipa um novo choque com o Brasil - o terceiro desde a posse de Lugo, em agosto de 2008. Em reunião com ministros e técnicos, ontem, Lula concluiu que a única forma de contornar o conflito está na sua capacidade de dissuasão do líder paraguaio durante a conversa reservada que terão hoje, no Itamaraty. Colaboradores de Lula reiteraram que o governo brasileiro não aceita a ideia de liberar o Paraguai para a venda de sua cota de energia para outros países. Mas está disposto a elevar os desembolsos com a importação da eletricidade, uma forma de elevar a receita do governo paraguaio.
A dificuldade será convencer Lugo que essa alternativa não é uma "migalha". Do ponto de vista do Planalto, Lugo vive um período de extrema fragilidade política e, se retornar a Assunção sem um ganho, seu desgaste tende a se acelerar. O líder paraguaio, entretanto, fincou pé na a exigência de "soberania energética" e vai apresentar uma argumentação afiada.
Segundo Canese, ao permitir que o Paraguai venda a energia a outros países, o Brasil manterá a posição de mercado preferencial. Haveria um ano de carência para a adoção da medida e, de 2010 a 2014, poderia vender cerca de 50% de sua cota de energia a outros países. De 2014 a 2023, haveria uma gradual liberação dos 50% restantes. Para ele, a tese brasileira de que essa mudança exige a renegociação do Tratado de Itaipu não tem fundamento. "Basta uma declaração dos presidentes", insistiu.
Concordar com a demanda paraguaia significaria, para o governo brasileiro, aceitar o pagamento de preços mais altos pela energia e o risco de desabastecimento interno. Nesse caso, o Brasil também teria de aprovar a exigência do Paraguai de despachar a energia ao mercado livre brasileiro, com preços geralmente mais altos, vez de vendê-la diretamente à Eletrobrás. Canese afirmou que, paralelamente, o Paraguai quer o consentimento do Brasil para construir uma rede de interconexão elétrica entre Itaipu e a Hidrelétrica de Yaciretá, sua binacional com a Argentina, ao custo de US$ 300 milhões. O projeto teria o objetivo de fazer do Paraguai uma "coluna vertebral" da hidreletricidade da América Latina.
(Por Denise Chrispim Marin e Tânia Monteiro, O Estado de S. Paulo, 07/05/2009)