A estiagem dos últimos meses em regiões do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul já afeta a agricultura, a produção de leite, as vendas de máquinas agrícolas e, como consequência, o funcionamento de diversas prefeituras. Nesses Estados, cerca de 290 municípios já decretaram estado de emergência. No Rio Grande do Sul, a estiagem dura dois meses, mas alguns municípios de Santa Catarina já estão com pouca chuva há seis meses. Em algumas regiões dos quatro Estados, as chuvas de abril foram até 90% inferiores à média.
Segundo a Defesa Civil do Rio Grande do Sul, até o início da noite de ontem 183 dos 496 municípios gaúchos haviam decretado situação de emergência em função da falta de chuva. Na região noroeste do Estado, 21 prefeituras adotaram medidas emergenciais, como suspensão de serviços administrativos, aulas e transporte escolar para poupar recursos e fornecer água potável para a população em caminhões-pipa. A paralisação vai durar cinco dias a partir de segunda-feira, mas pode ser prorrogada. Segundo o presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Elir Girardi, a decisão é "drástica", mas necessária para garantir o atendimento à população. Só na cidade de Três Passos, com 23 mil habitantes, a prefeitura distribuiu 5 milhões de litros de água nos últimos dias, explicou. "Os rios e arroios estão secando", afirmou.
O presidente do Sindicato das Indústrias de Máquinas Agrícolas do Rio Grande do Sul (Simers), Cláudio Bier, disse que os efeitos da estiagem sobre as lavouras de verão também já provocaram uma "freada" nas vendas do setor no mês passado. A situação agrava as dificuldades já enfrentadas pela desaceleração da economia nos últimos meses. Cerca de 12% das máquinas e implementos agrícolas fabricados no Rio Grande do Sul são vendidas no próprio Estado.
As perdas provocadas pela estiagem na agricultura gaúcha podem chegar a 1,3 milhão de toneladas de milho e a 700 mil toneladas de soja, disse a diretora técnica da Emater-RS, Águeda Mezomo. Considerando-se as cotações médias dos dois produtos, a quebra em relação à expectativa do resultado das duas culturas neste ano já se aproxima de R$ 1 bilhão. Para o milho, a projeção era de uma safra de 5,5 milhões de toneladas, mas a produção deverá ficar em 4,1 milhões. Na soja, a estimativa chegou a 8,4 milhões de toneladas em janeiro, mas agora a previsão está em 7,7 milhões de toneladas.
A precipitação acumulada em abril nos 13 pontos do Estado monitorados pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) ficou 85,6% abaixo da média histórica, conforme levantamento da Emater-RS. No noroeste e sul, a chuva ficou mais de 90% inferior à média. Conforme Águeda, a estiagem, provocada este ano pelo fenômeno climático La Nina, que aquece a água do Oceano Pacífico, demonstra comportamento atípico. Em geral a escassez de chuva no Rio Grande do Sul ocorre em janeiro e fevereiro, mas nesses dois meses os níveis de precipitação foram bons e a seca começou mais tarde.
A falta de umidade também provocou uma redução de 50% na produção de leite em abril em função das más condições das pastagens, disse a diretora da Emater-RS. Ela não soube precisar quantos litros deixaram de ser produzidos no período. Também houve quebras nas plantações de feijão, frutas e produtos hortigranjeiros. A preocupação agora é com as lavouras de trigo, que precisam ser plantadas a partir da segunda quinzena deste mês, informou Águeda. No ano passado, a cultura de inverno ocupou uma área de 970,4 mil hectares e produziu 2,2 milhões de toneladas. Conforme a diretora da Emater-RS, o governo gaúcho deve construir neste ano 9 mil açudes e microaçudes para garantir a irrigação das plantações. Em 2008 foram implantados 1 mil microaçudes e 350 cisternas.
Em Santa Catarina, 95 municípios já decretaram estado de emergência. Em São Miguel do Oeste, as perdas verificadas com a estiagem já começam a ter reflexo no comércio e deverão prejudicar a arrecadação do município. De acordo com o secretário de Planejamento Adair Bernardi, as perdas na agricultura atingem cerca de R$ 6 milhões. Ele estima que esse valor possa ser triplicado pelo impacto da estiagem sobre as demais atividades do município. "Cerca de R$ 18 milhões pelo menos deixaram de ser movimentados, porque as pessoas pararam de comprar no comércio com medo da falta de trabalho que a seca acarretará", disse. "Essa é pior do que a estiagem de outros anos, porque veio junto com a crise econômica", disse. Hoje, 35% da arrecadação de São Miguel do Oeste vem do setor agrícola e as principais empresas são do agronegócio: Coopercentral Aurora, Seara-Cargill e Terra Viva (leite).
Há seis meses São Miguel convive com pouca chuva e a Casan, estatal de água e saneamento, está realizando racionamento de 12 horas/12 horas, intercalando os bairros. É a situação mais prolongada de estiagem desde os anos 80, segundo Bernardi. Em períodos mais recentes, quando também se registrou estiagem, ela durava de três a quatro meses. De acordo com Bernardi, a prefeitura está atendendo a demanda de água com dois caminhões-pipa, principalmente no interior. "Já há reclamações de famílias que começam a ficar sem água potável", diz ele, afirmando que a prefeitura busca recursos emergenciais no governo federal para que a situação seja normalizada, como a anistia de dívidas do Pronaf (programa voltado à agricultura familiar) para os agricultores.
Em Concórdia, as principais perdas ocorreram na lavoura de milho e no leite. De acordo com o secretário de Agricultura e Desenvolvimento Rural do município, Antônio Colussi, foram R$ 4,5 milhões de perdas no milho, cuja quebra chegou a 30%, e de R$ 700 mil no leite, em razão dos efeitos da seca na pastagem. O município não suspendeu os serviços. Colussi diz que a situação diminuiu o movimento no comércio, mas não há relatos de indústrias que pararam a produção por falta d'água. O prefeito de Chapecó, João Rodrigues (DEM-SC), classificou esta como a pior estiagem dos últimos 50 anos. "Os prejuízos são enormes para o agronegócio. Já se aproximam de R$ 30 milhões", disse, citando principalmente problemas com a produção de leite, cuja quebra ele estima em 50%.
Desde abril, Chapecó tem racionamento de água. "Estamos bancando a situação como podemos. Pedimos ajuda para o governo federal, mas falta agilidade para liberação de verba." Para Rodrigues, sua administração enfrenta a estiagem como a terceira grande crise de arrecadação, depois de cortes dos recursos provenientes do governo federal e dos efeitos da crise econômica sobre as exportações do agronegócio.
No Paraná, a safra de verão e a safrinha de grãos foram prejudicadas pela estiagem que aconteceu no fim do ano e também nos meses de março e abril. O último levantamento feito pela Secretaria da Agricultura mostrou que o Estado deve colher 19% menos - na safra anterior, o volume total da produção chegou a 32,2 milhões de toneladas, e deve cair para 26,2 milhões de toneladas na atual, uma redução de 6 milhões de toneladas. Quando há quebra na produção do campo, o comércio e a indústria sentem e a arrecadação diminui. Mas choveu em algumas regiões no domingo e há previsão de chuvas para os próximos dias, o que pode evitar que os prejuízos sejam maiores. Desde novembro, 31 municípios do Estado pediram a decretação de situação de emergência . Desses, cinco derem continuidade ao processo de levantamento da documentação para homologação do governo.
No interior do Paraná, além da agricultura, o turismo também sofre com a falta de chuvas. Nas Cataratas do Iguaçu, uma das principais atrações turísticas do país, a vazão de água caiu de uma média histórica para o mês de maio de 1.874 metros cúbicos por segundo para 428 metros cúbicos por segundo. Em vez de belas quedas, o que se vê por lá são filetes de água em alguns pontos. Em Guaíra, no oeste do Estado, o nível do rio Paraná também diminuiu, mas ainda não deu para a população matar a saudade das Sete Quedas, submersas com a formação do lago de Itaipu. "O rio está baixo, mas ainda não dá para ver as quedas", diz o secretário de Planejamento municipal, Altair Bueno.
No Mato Grosso do Sul, a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado (Famasul) estima que as perdas na produção de grãos com a estiagem já atingem R$ 461 milhões neste ano, considerando soja, algodão e milho safrinha. De acordo com a entidade, a estiagem afetou 1,4 milhão dos 1,7 milhão de hectares plantados no Estado. Em março, conforme a Embrapa Agropecuária Oeste, choveu 40% menos que a média histórica para o período e abril teve a maior estiagem do período dos últimos 30 anos. Sete municípios já decretaram situação de emergência.
(Por Sergio Bueno, Vanessa Jurgenfeld e Marli Lima, Valor Econômico, 07/05/2009)