Washington Uranga, nesta entrevista concedida em dois tempos (por skype e por e-mail), define a política como uma arte porque ela é o campo que necessita, essencialmente, “construir consensos respeitando as identidade e as diferenças”. Segundo Uranga, “há, realmente, poucos momentos na história da América Latina em que se poderia ver uma coincidência de projetos políticos. Ao mesmo tempo, temos situações de exclusão importantes em nosso povo”. Assim, se fazer política é uma arte, e fazer política na América Latina é, conclui o jornalista, a soma de forças “para gerar mudanças estruturais”.
Washington Uranga, jornalista, docente e pesquisador na área da Comunicação, é diretor de pós-graduação da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires e exerce a docência tanto na graduação como na pós-graduação em Comunicação nas Universidades de Buenos Aires, La Plata, Catamarca, Cuyo, Patagonia Austral e Comahue (Argentina) e Andina Simón Bolívar (Bolivia). É, também, colunista do jornal Página/12 e assessor do Ministro de Desenvolvimento Social. Confira a entrevista.
Que cenários políticos e sociais a América Latina vive hoje?
Washington Uranga – A América Latina vive hoje uma situação política particular. Há, realmente, poucos momentos na história da América Latina em que se poderia ver uma coincidência de projetos políticos. Ao mesmo tempo, temos situações de exclusão importantes em nosso povo. Parece que essas são as questões que estamos observando. Em parte, temos de falar da comunicação como um exercício do direito e, em parte, como uma situação de exclusão, em que nem todos têm a possibilidade de participar efetivamente dos processos comunicativos.
Quais são as principais questões colocadas hoje para a Comunicação na América Latina?
Uranga – A primeira diz respeito à exclusão de poderes setores ao direito à comunicação. Importantes setores da comunidade estão excluídos dos interesses econômicos e políticos e não têm a possibilidade de expressar-se. Isso implica problemas desde o ponto de vista econômico até o ponto de vista político e social. O segundo diz respeito ao processo de concentração da propriedade de comunicação. Essa concentração da comunicação em poucas mãos não gera problema. A convergência tecnológica é que cria diversas dificuldades, porque os países não estão preparados para essa realidade. A tudo isso, deveríamos agregar também a falta de opções de políticas de comunicação que permitam que novos atores sociais surjam com facilidade. Necessitamos, portanto, criar processos de comunicação baseado em perspectivas muito mais solidárias e na identidade de nosso povo.
Como o senhor analisa a concentração da propriedade nas comunicações e relações de poder na realidade digital que vivemos hoje?
Uranga – A concentração da propriedade é parte do processo da sociedade capitalista. O desenvolvimento tecnológico traz, certamente, mais problemas. Para muitos, a internet é uma alternativa real, uma alternativa de democratização, mas também é certo que o desenvolvimento tecnológico não é essencialmente democratizado, ou pode realizar mudanças. Aí está a maior dificuldade.
A partir disso, como o senhor descreve o quadro do movimento sindical e das lutas populares na Argentina? No que resultou o movimento dos piqueteiros?
Uranga – O sindicalismo na Argentina tem se caracterizado por sua vinculação com o peronismo desde 1945 até hoje. No entanto, como todas as organizações populares, sofreu muito o golpe da ditadura militar. Esta realidade, a emergência de novas propostas políticas no campo sindical e as transformações dos processos econômicos, tem levado à diversificação e fragmentação do movimento sindical. Atualmente, na Argentina, as centrais de trabalhadores têm grande incidência, mas também afrontam comportamentos contraditórios por suas alianças com setores de poder. O que tem se chamado de “piqueteros” são emergentes dos movimentos sociais vinculados a processos reivindicativos, com demandas que vão desde o pedido de alimentos até postos de trabalho. No entanto, eles, desde a crise de 2002 até agora, têm avançado em reivindicações políticas. Hoje, não se poderia fazer uma só definição sobre os “piqueteros” porque as distintas forças se alinham em posições que vão desde a aliança com o governo até à oposição mais tenaz.
Qual é o quadro da situação política na Argentina hoje? Há um processo novo a partir da administração dos Kirchner?
Uranga – O governo de Néstor Kirchner, e sua continuidade com Cristina Fernández, têm permitido dar saltos qualitativos em áreas como a dos direitos humanos e avanços significativos em relação à distribuição de riquezas. Não ocorre o mesmo a respeito da reforma política, um campo, todavia, pendente, se observarmos a premissa da grande democracia e participação popular nas decisões.
Em relação ao bispo que fez declarações polêmicas, recentemente, sobre o holocausto, como isso repercutiu na Argentina? Qual o poder, o espaço, a importância que essa ala da Igreja tem na região e como ela conquistou isso?
Uranga – As declarações do bispo ultraconservador Richarson só ganharam repúdio na Argentina. A igreja institucional se manteve à margem do ato e, sem expressar-se oficialmente, avaliou a decisão oficiar de expulsá-lo do país.
O que é fazer política hoje na América Latina?
Uranga – Comprometer-se com os processos de mudança nos campos políticos, sociais e culturais, articulando de maneira mais inteligente os setores de poder dos governos, nos espaços dirigentes com as demandas das organizações populares e de base. Fazer política é uma arte. A arte de construir consensos respeitando as identidade e as diferenças, mas somando forças de maneira decisiva para gerar mudanças estruturais em médio e longo prazo.
(IHUnisinos, 27/04/2009)