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código florestal
2009-05-05

A audiência pública realizada no plenário do Senado Federal na manhã de quarta passada (29/04) foi fruto de um requerimento da senadora Kátia Abreu (DEM/TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), pautado pelo estudo do pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite Evaristo de Miranda denominado “Alcance territorial da Legislação ambiental e indigenista”. O objetivo era consolidar o entendimento da necessidade de alteração da legislação, de modo a pavimentar a idéia da bancada ruralista de instituir um novo Código Ambiental brasileiro, com ênfase na resolução do passivo ambiental das propriedades rurais.

Mas a estratégia da bancada ruralista naufragou na própria audiência,que desqualificou o estudo de Evaristo Miranda Na audiência Miranda reforçou os motivos de crítica já feitos por várias instituições, alterando os cálculos, e apontando 29% de área disponível para atividades agrícolas, quando os resultados anteriormente publicados afirmavam que restavam apenas 6% do território nacional aptos à utilização agropecuária. O estudo não considerava os mecanismos já existentes no Código Florestal, como a redução da Reserva Legal a partir do zoneamento, o cômputo das Áreas de Preservação Permanente (APP) na Reserva Legal, e as categorias de Unidades de Conservação que permitem o uso agropecuário, como as Áreas de Proteção Ambiental (APA).

A tônica da audiência foi dada pela apresentação de Tasso Azevedo, ex-diretor do Serviço Florestal Brasileiro e atual assessor do Ministro do Meio Ambiente. Azevedo ressaltou que só é possível discutir o Código Florestal como mecanismo de conservação das florestas brasileiras, já que no atual momento histórico não seria admissível uma alteração na contra-mão do processo mundial de reconhecimento do papel das florestas na regulação climática mundial. Destacou a contribuição do setor florestal ao superávit primário brasileiro, e refutou os números apresentados por Miranda, demonstrando que mais de 35% do país estão disponíveis para o setor agropecuário.

Os números também foram questionados em estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), citado na audiência por Adalberto Veríssimo, do Imazon. Veríssimo ressaltou a importância de recuperação de 50 milhões de áreas degradadas e do reconhecimento do ZEE como instrumento para efetivar as adequações do Código Florestal e reiterou a importância de o Brasil assumir a posição de vanguarda no tratamento da questão florestal, e a liderança na produção agrícola de modo adequado à manutenção do patrimônio florestal.

Diferentes situações de ocupação devem ser consideradas
O também pesquisador da Embrapa, Gustavo Ribas, apresentou estudos sobre as Áreas de Preservação Permanente de beira de rio e de topo de morro, demonstrando as diferentes situações de ocupação e propondo critérios científicos nas regulamentações do texto legal, que levem em conta as diferenciações regionais. Para as APPs de beira de rio, propõe a utilização de atributos mensuráveis do solo (textura e espessura) associados à declividade da vertente, deixando claro que este são os elementos que interferem na sustentação das margens e contenção de enxurradas, que segundo ele não têm relação com a largura do rio. Com relação às APPs de topo de morro, Ribas propôs a utilização de atributos de declividade e forma, associados à função de absorção de água pelos lençóis freáticos, deixando claro também aqui que a definição de “topo do morro” não se sustenta cientificamente.

A representante jurídica da Frente Parlamentar da Agricultura. Samantha Pineda, defendeu a criação do código ambiental brasileiro, que reconheça as diferenças regionais e efetive uma mudança profunda nos paradigmas estabelecidos pelo Código, como a Reserva Legal, que considera um mecanismo defasado.

Carlos Alberto Ricardo, coordenador do Programa Rio Negro do ISA, destacou a importância da discussão de um projeto para o Brasil. Para Ricardo, a última vez em que nos empenhamos em um debate sobre o futuro do Brasil foi na Constituinte. “Sem um debate deste porte não teremos parâmetros para equacionar as diferenças entre as partes”, disse. Afirmou também que o Brasil está patinando nessa e em outras discussões estratégicas, e lembrou os principais argumentos do Amansa Brasil, mote de discussão lançado pelo ISA em 2003, que chama a atenção para a insustentabilidade aguda dos padrões de desenvolvimento do país. Destacou ainda que o Brasil é um dos poucos países que tem perspectivas de futuro com base nos recursos naturais preservados, e que não se pode ficar na contramão da história. Lembrou o processo de abolição da escravidão, em que o Brasil adiou sua decisão em função dos ganhos econômicos advindos da escravatura. O Haiti o fez mais de 80 anos antes.

Beto Ricardo destacou ainda os resultados da pesquisa de opinião pública realizada pelo Datafolha por encomenda da organização Amigos da Terra Amazônia Brasileira que mostrou que 94% da população brasileira desaprova qualquer tipo de desmatamento ainda que seja para produção agrícola. A pesquisa foi comentada por quase todos os debatedores e mostra que a vontade dos brasileiros não está sendo respeitada pelos ruralistas interessados em fragilizar as exigências Código Florestal.

O desembargador do Superior Tribunal de Justiça, Hermann Benjamin afirmou que o conflito não é sobre a totalidade do Código Florestal, mas que a divergência é sobre o passivo que está posto. Segundo ele, o Código Florestal tem servido como desaguadouro de todas as demandas de diversos setores, o que muitas vezes atende a interesses que não queremos legitimar, como é o caso dos que construíram mansões nas ribanceiras e penhascos de Campos de Jordão (SP) e apóiam as alterações relativas a Áreas de Preservação Permanente para legalizar as ocupações ilegais.

Benjamin chamou a atenção para o uso das pesquisas em questões políticas, citando caso anterior de pesquisa do próprio Evaristo de Miranda que em 1993 apontava que a qualidade do ar na cidade de Ribeirão Preto na época das queimadas das lavouras de cana era melhor do que em Atibaia, causando com isso enorme prejuízo à saúde das pessoas e servindo a ações judiciais de usineiros pela manutenção da prática da queima. O estudo foi feito pelo pesquisador por meio da ONG Ecoforça e ainda hoje está disponível um trecho no site da Embrapa, onde também existe uma página divulgando as atividades da ONG que pode ser vista clicando aqui.

“Esta é mais uma prova da improbidade administrativa que permeia as relações entre este pesquisador e a Embrapa. É ilegal um órgão público fazer propaganda de empresas privadas de consultorias” afirmou. Benjamin defendeu um tratamento diferenciado para os pequenos agricultores e culturas que dependem do relevo topográfico acidentado para seu sucesso como as uvas em encostas e o arroz de várzea.

Desenvolvimento econômico não pode ser separado da sustentabilidade
Márcio Meira, presidente da Funai, destacou o papel das terras indígenas na proteção do patrimônio cultural brasileiro e a relevância dessas áreas para a conservação ambiental e defendeu que esse debate merece ser aprofundado com outras contribuições. O Brasil ainda é um dos pouquíssimos países de grande porte que pode dizer ao mundo que é possível ter uma história diferente de outros continentes, mantendo as florestas e promovendo o desenvolvimento.

Em sua manifestação, a senadora Kátia Abreu ressaltou que não está em discussão o desmatamento, nem as terras indígenas e unidades de conservação, mas sim a regularização fundiária. A senadora afirmou que não abre mão da Constituição Federal, em especial no artigo 24, que trata das competências federativas, e defendeu a solução encontrada pelo Estado de Santa Catarina.

Kátia Abreu afirmou não haver contradição entre os produtores rurais e o meio ambiente, porque todos dependem da água, da qualidade do solo e da biodiversidade para assegurar a produção. Mas segundo a senadora, a lei hoje não é passível de ser cumprida porque as regras foram sendo alteradas desde o primeiro Código Florestal em 1934. Kátia Abreu defendeu que as definições de APP sejam feitas de modo regionalizado, pelos estados, com padronização pelo Congresso Nacional do que pode ser definido de modo geral. A senadora caiu em contradição ao dizer que o País não pode se dar ao luxo de conservar sem atender às demandas sociais e disse que já está fazendo visitas aos ministros do Supremo Tribunal Federal para tentar influenciar nas futuras decisões que o órgão possa tomar.

O senador Aloísio Mercadante (PT-SP) apontou o equívoco ao se separar a questão do desenvolvimento econômico de um país da questão da sustentabilidade. Foi aplaudido ao dizer que esse é um debate que precisa amadurecer e que não haverá rolo compressor no Congresso nessa discussão, em clara alusão à fala da senadora Kátia Abreu. Mercadante criticou ainda a tentativa do Estado de Santa Catarina, de alterar o Código Florestal, afirmando ser inconstitucional. Apontou também que essa proposta do governo catarinense não se coaduna com os discursos de desmatamento zero, e que não vai ser possível chegar a uma solução adequada se o discurso for um e as propostas outras.

Na última fala da sessão, a senadora Ideli Salvatti (PT-SC) defendeu que a concentração de terra também seja levada em consideração nas discussões de um novo do Código Florestal. Líder do governo no Senado, ela afirmou que não é aceitável que em seu estado ocorra a concentração de 60% das terras nas mãos de apenas 10% dos proprietários rurais.

A audiência deixou claro que há muita contradição por trás do discurso corrente contra o desmatamento e que as soluções específicas prescindem de maior confiança na aplicação dos instrumentos legais.. Em sua intervenção, a senadora Marina Silva (PT-AC) disse que é preciso pensar esse debate como um processo civilizatório Para isso precisamos aprofundar os debates e reconhecer outras premissas que não apenas a solução de problemas do setor agropecuário, como a bancada ruralista insiste.

(ISA, 04/05/2009)


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