Algumas unidades da Federação criaram Varas Ambientais para cuidar de conflitos ecológicos, mas o Estado de São Paulo tem, desde 2005, a Câmara Especial do Meio Ambiente. São julgadores encarregados de apreciar os recursos cíveis nas questões ambientais. Foi conveniente essa criação? Um tribunal gigantesco, formado por 360 desembargadores, mais os substitutos em segunda instância e os juízes de primeiro grau chamados para atuar em grau de recurso, não produziria uma jurisprudência tendente ao consenso. Os recursos seriam distribuídos a uma das inúmeras câmaras de julgamento e mereceriam múltiplas soluções. Todos sabem que a lei é suscetível de interpretação e esta depende da formação cultural, filosófica, ideológica e política do intérprete. Principalmente uma lei como a brasileira, cada vez mais ambígua e imperfeita, fruto do compromisso possível obtido nessa complexidade crescente chamada Parlamento.
Pois bem, questões aparentemente idênticas, ou pelo menos análogas, seriam decididas de forma desigual. Com um fator de inconveniência em acréscimo: o enorme acervo de processos ainda não julgados propiciaria uma sobrevida ao recurso. A produtividade é desigual e, se julgadores há que reduziram o seu estoque, outros enfrentam dificuldade maior em dele se desvencilhar. O resultado é a total impossibilidade de prever não apenas o que seria decidido, como também a data em que o julgamento ocorreria. A criação da Câmara Especial do Meio Ambiente se preordenou a conferir tratamento o quão possível homogêneo às causas ecológicas. Os recursos que versam o meio ambiente são imediatamente destinados a um de seus membros. A jurisdição em segundo grau se acelerou de forma evidente. É um benefício inegável. Seja qual for a decisão do tribunal, os interessados não precisam aguardar anos para que seja conhecida.
Em termos de homogeneização jurisprudencial há uma tendência promissora. Magistrados experientes já têm sua postura sedimentada. Em nome, porém, do ideal da segurança jurídica, algo cada vez mais fluido e polêmico, ressalvam sua posição pessoal e aderem à tese da maioria, para permitir um julgamento mais infenso a reexames. É sabido que um voto divergente propicia a interposição de um recurso a mais: os embargos infringentes. Quando os julgadores cedem ao seu ponto de vista para conferir unanimidade ao acórdão, essa possibilidade é eliminada. Não que transijam com sua convicção. Curvam-se em aspectos procedimentais ou processuais para conferir celeridade ao julgamento. Com isso cumprem o novo preceito do inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição da República, ensejador de um direito à oportuna prestação jurisdicional e aos instrumentos que garantam celeridade na tramitação dos processos.
Um exemplo é a questão do depósito do valor da multa para efetivar a defesa administrativa. Embora exista dissenso, a minoria cedeu e hoje é unânime o pensamento da Câmara Especial: o infrator não precisa mais recolher a sanção para pleitear à própria administração o reexame do tema. Assim também a prescrição da infração ambiental. Os que entendem imprescritível o delito ecológico ou propõem lapso mais longo aos poucos se subordinam à orientação de que o prazo prescritivo é de cinco anos. Com isso, em julgamentos unânimes, sinalizam à administração que ela deve ser diligente na cobrança dos seus créditos resultantes de vulneração ao meio ambiente.
Em outros pontos, mais essenciais, a Câmara do Meio Ambiente está a defender, de maneira muito eficaz, a maltratada natureza paulista. Não cede à tendência de se eliminar a necessidade da reserva legal dos 20% de cobertura vegetal nativa exigível a qualquer propriedade rural. Numa ação pedagógica, lembra o proprietário de que não há direito adquirido contra a natureza. Ninguém se libera da obrigação ao alegar que a terra já era devastada, que não foi o atual titular dominial que derrubou a floresta. A obrigação de manter a mata é chamada propter rem. É uma obrigação objetiva. Acompanha o imóvel. Assim, quem tiver terra dizimada trate de contratar um especialista em reflorestamento e devolver ao ambiente o que dele, insensatamente, se furtou.
Corajosa, a Câmara Ambiental ordena a demolição porque não admite o "fato consumado", que tem legitimado tantas crueldades ecológicas neste país que rapidamente destrói o que não foi resultado do trabalho de uma geração e menos ainda de uma só pessoa. Um patrimônio milionário desaparece por ignorância, cupidez e leniência do poder público. Infelizmente, sem ter ainda oferecido à Nação todo o potencial de lucratividade que a natureza devolve a quem por ela vier a zelar.
Sintoma de que a Câmara Ambiental surte efeitos é a mudança de paradigma de estatais, instituições e entidades, que sabem do olhar especialista hoje merecido pelas lides no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Profissionais especializados comentam a redução na expectativa da álea anterior, em que o mesmo tema receberia respostas díspares, a depender da Câmara que os examinasse. O rigor com que os magistrados ambientais apreciam os recursos já motivou significativas alterações de conduta institucional. E isso é promissor para a natureza.
Mais relevante que tudo isso é o olhar pioneiro desses julgadores que evidenciam, em suas decisões, a relevância da tutela constitucional brasileira ao meio ambiente. Proclamam sem hesitar que o meio ambiente é o primeiro direito intergeracional explicitado na ordem fundante. O constituinte conferiu às atuais gerações o dever de preservar para que as futuras possam também viver. O que torna o ambiente o direito básico mais caro à ordem jurídica cidadã, prioritário em face dos direitos clássicos, hoje relativizados pela vontade constituinte. É importante que a nacionalidade acorde para as consequências dessa opção.
(Por José Renato Nalini*, O Estado de S. Paulo, 30/04/2009)
*Desembargador do TJ-SP e presidente da Academia Paulista de Letras