Subindo e descendo os rios do oeste da Colômbia, um novo tipo de exército criminoso está se aprofundando na selva isolada, lutando com guerrilheiros pelo controle do comércio de cocaína e obrigando milhares de indígenas a fugir. É o tipo de pesadelo muito comum na longa guerra da Colômbia: agricultores aterrorizados por atiradores que tentam dominar o interior. Enquanto a guerra pelo controle do tráfico se intensifica nas fronteiras do país, com novos combatentes desejando ocupar rotas de tráfico e áreas de plantação de coca onde os índios extraem uma magra subsistência, aumenta o já alto número de baixas entre os indígenas. Pelo menos 27 grupos estão em risco de extinção por causa do conflito de 40 anos no país, segundo a ONU, e grupos de direitos humanos temem que a nova violência esteja penetrando ainda mais nas antigas terras indígenas.
Na região de selva de Chocó, mais de cem atiradores chegaram enquanto Johnny Caisamo colhia bananas. Os homens o espancaram, depois ameaçaram afogá-lo nas águas turvas do rio Cedro. "Eles queriam saber onde os guerrilheiros estavam acampados", disse Caisamo, 18, um dos muitos índios emberas que narram recentes espancamentos, estupros ou ameaças de grupos armados. "Eles disseram que me matariam se eu não colaborasse." As batalhas se desenrolam longe de grandes cidades como a capital, Bogotá, onde um governo confiante aplaude os recentes avanços militares contra rebeldes de esquerda e a desmobilização de milhares de paramilitares. Em outra região, as autoridades recentemente ajudaram um grupo indígena, os arhuacos, a recuperar terras de combatentes paramilitares.
A Colômbia tem cerca de 3 milhões de refugiados internos -perde apenas para o Sudão, segundo a ONU-, e seus indígenas suportam a maior parte do sofrimento. O último deslocamento dos emberas foi causado por um pânico coletivo depois de relatos de que os Rastrojos, um exército criminoso, violentou duas garotas emberas no início de março e matou um homem embera antes de queimar seu corpo diante de sua família. Testemunhas disseram que os atiradores foram de aldeia em aldeia, espancando, torturando e detendo temporariamente alguns líderes emberas para obter informações sobre os rivais dos atiradores, a facção Cimarrón do Exército de Libertação Nacional, o ELN, grupo rebelde que domina a área há anos. Em Chocó, os emberas que fugiram no primeiro trimestre quase se igualam aos 2.400 deslocados em 2008, disse Luis Enrique Murillo, comissário de paz local.
Na última manifestação do conflito, novos grupos paramilitares como os Rastrojos, que se originaram como um sindicato de tráfico de cocaína ao redor da cidade de Cali, surgiram dos grupos desmobilizados. Às vezes eles usam alguns combatentes de grupos que formaram anos atrás para combater as guerrilhas de esquerda, mas também recrutam novos combatentes, segundo analistas. Hoje esses grupos armados, despidos de suas antigas inclinações ideológicas, forjam alianças com rebeldes em algumas partes do país, enquanto iniciam conflitos em outras, como nesta região de Chocó.
De qualquer modo, seu objetivo é o mesmo: dominar as áreas de plantação de coca e as rotas para enviar cocaína para o exterior, principalmente para os EUA. O conflito encontrou nova vida em áreas como Chocó, em parte por causa dos sucessos do governo em outras áreas. Enquanto projetos de erradicação financiados pelos americanos reduziram a plantação de coca em certas áreas, o cultivo em Chocó aumentou 32% em 2007, segundo a ONU.
Em Puerto Meluk, porto fluvial cheio de bares e lojas que vendem substâncias químicas usadas para processar cocaína, refugiados emberas cozinhavam em um pântano que cheirava a esgoto e contaram histórias semelhantes às de rio acima: surras e ameaças em suas aldeias, depois o deslocamento. Em uma casa, 11 famílias se amontoavam. Enrique Manyoma, 42, plantador de milho, contou sobre sua fuga da aldeia de Incirá. "Esta é minha filha, Marta Cecília", disse Manyoma, apontando para uma criança. "Ela nasceu aqui há oito dias. Enquanto os homem armados estiverem na selva, não acho que sua casa será em Incirá", lamentou.
(Por Simon Romero, com colaboração de Jenny Carolina González, The New York Times / Folha de S. Paulo, 04/05/2009)