Reserva tembé, no Pará, deve fechar contrato para emitir créditos de carbono em troca de cerca de R$ 1 milhão por ano. Negócio em mercado fora do acordo de Kyoto sobre efeito estufa vai contra a posição do governo, que teme estímulo ao desmate
Os índios tembés, que vivem no Pará, pretendem fechar até o final de maio o primeiro contrato no país para a preservação de um território indígena em troca de participação na venda de créditos de carbono gerados pela manutenção da floresta. A negociação, com uma empresa brasileira, a C-Trade, vem sendo tratada desde junho do ano passado. Ela contraria a posição defendida pelo Estado brasileiro sobre o tema. Segundo o governo federal, a quantidade de mata preservada no país é tão grande que os créditos gerados por sua simples manutenção são capazes de permitir a empresas que aumentem a poluição, e não o contrário. A questão costuma dividir ONGs ambientalistas no país e no exterior.
Mas tanto os índios quanto a Funai (Fundação Nacional do Índio), assim como indigenistas da UFPA (Universidade Federal do Pará) e o Ministério Público Federal, concordaram, previamente, com os termos da proposta apresentada. Ela ainda precisa ser oficialmente chancelada pela etnia. Segundo a oferta, 85% do dinheiro conseguido pela empresa ao vender no mercado os créditos de carbono irá para os tembés. Os valores ainda não foram fechados, mas os repasses à tribo devem ultrapassar R$ 1 milhão por ano, ou cerca de R$ 1.428 para cada uma das 700 famílias da reserva. Hoje, a maior parte delas não tem nenhum tipo de renda.
Dos 279,8 mil hectares da reserva, 69 mil foram "ofertados" para serem preservados. A intenção é, anualmente, fazer uma análise periódica da área, que determinará o quanto foi desmatado e o que foi preservado, para então os valores serem aumentados ou diminuídos. Segundo Felício Pontes, procurador da República que atua no caso, não há nenhum impedimento jurídico para que o negócio seja fechado, apesar da posição do governo. "Essa ideia pode ser uma solução para o problema de como proteger áreas indígenas de todo o país." A Folha tentou falar com a empresa C-Trade, mas não conseguiu.
Hoje, o chamado mercado "regular", atrelado ao Protocolo de Kyoto, ainda não aceita a comercialização de créditos gerados pela preservação das florestas tropicais. Em compensação, o mercado "voluntário" -do qual participam empresas de países não signatários do protocolo, por exemplo-, aceita. O impasse sobre aceitar ou não créditos de carbono para manter a floresta em pé, no Brasil ou fora, deve ser debatido em dezembro, em Copenhague (Dinamarca), durante a Conferência do Clima.
No caso do Pará, a maior discussão atualmente é como gerir os futuros recursos. A ideia mais forte até agora, segundo as pessoas envolvidas na negociação, é que parte do dinheiro seja prioritariamente investida em projetos já em andamento, como produção de mel, e o resto seja distribuído igualmente entre todas as famílias. O que Funai e indigenistas temem é que o dinheiro seja administrado por poucos índios. Se estes enriquecerem sozinhos, a maioria da comunidade continuará miserável.
Para Juscelino Bessa, administrador da Funai em Belém (PA), o contrato gera receio, pois ainda não há experiência ou regulamentação específica sobre esse tipo de negócio. "Mas tivemos que fazer isso, pois estamos com a corda no pescoço." Ele se refere à atual situação da terra tembé Alto Rio Guamá, no nordeste do Estado, invadida por posseiros, grileiros e traficantes de droga, para plantar maconha.
(Por João Carlos Magalhães, Folha de S. Paulo, 02/05/2009)