O governo de Santa Catarina acaba de aprovar mudanças no Código Florestal que reduzem a proteção das matas e vão de encontro às determinações do Código Florestal Federal, que também corre o risco de passar por transformações perigosas para o meio ambiente do país. “Estamos instituindo uma regra básica em Santa Catarina: degradação ambiental sem punição”, sustenta o professor Rubens Nodari. Ele conversou por telefone com a IHU On-Line.
Nodari declara que, com as mudanças aprovadas para Santa Catarina, o estado está cometendo um suicídio ecológico, uma vez que “essa substituição vai, por um lado, causar danos à biodiversidade, erosão genética, e, por outro, interromper os processos ecológicos”. Ele também analisou, durante a entrevista, o processo de debate em torno de possíveis mudanças que podem ser feitas na legislação ambiental nacional. “O que Santa Catarina fez é parte de uma orquestração nacional muito maior, comandada pela Confederação Nacional das Indústrias, pela bancada ruralista e pelos grandes latifundiários do país, ou seja, usar os pequenos agricultores para modificar o Código Florestal. Esse grupo convencionou de que não precisa cumprir o Código Florestal para aumentar a produção de grãos”, declarou.
Rubens Onofre Nodari é agrônomo pela Universidade de Passo Fundo. É mestre em Fitotecnia, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e doutor pela University Of California At Davis. Atualmente, é professor da Universidade Federal de Santa Catarina. Confira a entrevista.
IHU On-Line - Os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente realizaram negociações para elaborar uma proposta comum de mudança do Código Florestal. O Código Florestal atual precisa de mudanças?
Rubens Nodari - Não, não há necessidade de mudanças. A questão é que o país deve fazer a Reforma Agrária para dar terra necessária para uma família viver. O fato de que um grande contingente de agricultores tem pouca área não se resolve permitindo o desmatamento. A lógica que o Ministério da Agricultura tenta viabilizar irá comprometer as futuras gerações. O que Santa Catarina fez é parte de uma orquestração nacional muito maior, comandada pela Confederação Nacional das Indústrias, pela bancada ruralista e pelos grandes latifundiários do país, ou seja, usar os pequenos agricultores para modificar o Código Florestal. Esse grupo convencionou de que não precisa cumprir o Código Florestal para aumentar a produção de grãos.
As negociações terminaram mal, uma vez que o grupo que discutia o tema foi extinto. O senhor acha que a discussão acabou?
Nodari - A discussão nunca acaba. Na verdade, não houve acordo dentro do governo. O Ministério do Meio Ambiente tem razão em não concordar com a alteração no Código Florestal de misturar situações que não fazem sentido ambientalmente. O que o ministério do Meio Ambiente tem feito é, por exemplo, permitir que a reserva legal seja manejada de forma sustentável. Desse modo, 20% da área precisam ser mantidos com cobertura florestal. A partir daí, os proprietários podem fazer um manejo sustentável, permitindo que a vegetação seja permanente. No entanto, o que temos visto de fato é que as mudanças climáticas, ou seja, os eventos extremos, são cada vez mais frequentes e virão ainda mais fortes. Ou seja, eles expressam que as mudanças climáticas já chegaram. Então, se não fizermos nada para frear esse desmatamento, iremos comprometer o ambiente para as gerações futuras. Sob esse ponto de vista, é uma irresponsabilidade sem precedentes um órgão de governo, que é o Ministério da Agricultura, apregoar uma degradação ambiental maior ainda do que já existe.
Para onde esse debate deve caminhar?
Nodari - Pela sociedade, porque se deixarmos no Congresso Nacional já sabemos no que pode dar. Os representantes, que estão de olho na eleição de 2010, não irão resolver, pois, na verdade, no caso de Santa Catarina, não houve qualquer deputado contra, uma vez que os industriais e os grandes latifundiários organizaram a vinda de milhares de pequenos agricultores. Assim, pressionados pelas próximas eleições, os deputados acabaram votando num código que não resolve o problema dos pequenos agricultores. O que resolve o problema é a Reforma Agrária. No Congresso Nacional, irá acontecer a mesma coisa, pois a bancada ruralista é muito forte. Esse debate precisa vir para a sociedade, porque a questão ambiental pertence a cada um de nós. Temos de nos perguntar: o que queremos para nós, hoje, e para as futuras gerações? Importa meia dúzia de reais hoje ou a vida digna para futuras gerações?
Para o senhor, o que fazer com as áreas já desmatadas do país?
Nodari - Devemos permitir que a sucessão florestal seja realizada prioritariamente com a vegetação que ocorre na região. Os estudos científicos têm mostrado que 20% dos gases a base de carbono são oriundos de desmatamentos seguidos de queimadas. Por outro lado, as práticas indígenas, principalmente na Amazônia, de pegar restos vegetais e fazer uma queima branda e incorporar o carvão no solo, tornam-no mais fértil. A ciência está descobrindo agora que os manejadores da Amazônia foram os povos mais agroecológicos que existiram na natureza, porque eles praticavam agricultura, faziam uma queima branda dos restos, de tal maneira que parte do carbono é fixada no próprio solo. Então, devemos encontrar maneiras de fixar mais carbono, tirando esse que está no ar. Não é uma questão de parar só as emissões, mas fixar para diminuir a quantidade de gases na atmosfera. No entanto, o Ministério da Agricultura e os grandes latifundiários querem que se permita o aumento do desmatamento, e assim por diante. E aí eles vão contra qualquer esforço para diminuir os efeitos das mudanças climáticas.
Essas mudanças realizadas no Código Florestal de Santa Catarina beneficiam quem?
Nodari - Os grandes latifundiários, porque 1,9% dos proprietários rurais de Santa Catarina detêm 1/3 das terras do estado. Com aquela “fachada” de trazer os pequenos agricultores, eles incluíram nesse Código Florestal estadual uma diminuição da faixa de área de preservação permanente (APP) de 30 para cinco metros, permitiram que se use concomitantemente APP com reserva legal num só instrumento, além de terem criado uma junta conciliatória em que o setor produtivo tem igual número de membros para julgar se uma multa por um ato ilegal ou ilícito deva ser empregado ou não, sendo formada por três representantes do estado e três do governo (que não podem votar). Então, o setor privado sempre estará em maioria. Portanto, estamos instituindo uma regra básica em Santa Catarina: degradação ambiental sem punição. Além disso, a questão da água não está posta no Código Florestal. Você já viu um Código Florestal, que trata do meio ambiente, que não fale em água? Se um agricultor está poluindo um rio, tem o direito adquirido de continuar poluindo, se estiver ali há vários anos. Estamos legalizando a degradação ambiental desse estado.
Essa é uma política de terra arrasada?
Nodari - No oeste de Santa Catarina, já estamos quase arrasados. Os agricultores primeiro vieram do Rio Grande do Sul e ocuparam o oeste do estado. Com o nascimento de seus filhos, houve repartição das terras e, então, eles foram invadindo a reserva legal e as áreas de preservação permanente. O governo, além de querer legalizar essa situação, permite que outras áreas sejam desmatadas de forma legal. É possível que, com isso, estejamos permitindo que esse estado tenha no máximo uns 10% de vegetação, o que seria um suicídio ambiental. No oeste do estado, em função do desmatamento que já foi feito no passado, tivemos cinco secas em dez anos e os poços artesianos da região precisam ser baixados, todo ano, um metro, pois não há vegetação que segure a água. Os custos ambientais e os prejuízos causados pela seca são muito maiores do que os eventuais grãos que poderiam ser cultivados nessas extensões de terras que seriam destinadas à área de preservação permanente ou a reserva legal.
As mudanças no Código Florestal de Santa Catarina são inconstitucionais?
Nodari - Existe um conjunto de artigos que são absolutamente conflitantes com o Código Florestal Federal e alguns são conflitantes com artigos da Constituição Brasileira. Por esta razão, o Ministério Público Federal de Santa Catarina já entrou com o pedido de inconstitucionalidade. Podemos dividir as características do código em três partes:
1) Contém conflitos com a legislação federal e com a Constituição;
2) É voltado para a degradação ambiental sem punição;
3) É incompleto, porque não incorpora o saneamento, a água e a educação ambiental.
Resumindo, essas mudanças revelam um desastre de uma sociedade.
Que consequências essas mudanças provocam no meio ambiente catarinense?
Nodari - Vamos começar a fazer uma campanha para que os pequenos agricultores não utilizem essas prerrogativas aprovadas. Isso dependerá da população, pois, se ela continuar o desmatamento, a situação será cada vez pior. Se a população compreender que a vegetação é importante para a vida e para seus descendentes, é provável, inclusive, que possamos inclusive reverter esse quadro.
Os desastres que ocorreram em Santa Catarina foram levados em conta na discussão sobre as mudanças no Código Florestal do estado?
Nodari - Foram levados em conta por um pequeno grupo da população mais consciente.
Uma das culturas privilegiadas pelo novo Código Florestal catarinense é a do pínus. Que mudanças essa cultura traz para o estado?
Nodari - Um estado que renuncia cultivar uma das suas principais espécies, a araucária, que tem uma forte interação com o meio ambiente e produz a mesma ou mais quantidade de madeira, ao incorporar o pínus está negando a sua própria origem. Além disso, demonstra que a indústria catarinense não tem a menor preocupação com o meio ambiente. Além do mais, o governo do estado definiu, de uma forma totalmente equivocada, que um campo de altitude é aquele que está a 1500 metros. Então, você irá encontrar pínus nos campos, nos parques ou nas áreas de proteção ambiental. Ou seja, todos os campos nativos que têm uma vegetação rica poderão ser substituídos por pínus. E ainda esse pessoal tem direito a pedir crédito de carbono e receberão dinheiro do estado por danificar o ambiente natural por uma espécie exótica, alterando totalmente as relações dessa espécie com os outros organismos. Essa substituição irá, por um lado, causar danos à biodiversidade, erosão genética, e, por outro, interromper os processos ecológicos. Isto é suicídio ecológico. Precisamos conclamar as pessoas que não concordam com essa política de degradação ambiental que se juntem e convençam outras pessoas a fazer o contrário do que o governo de Santa Catarina quer.
(IHU / Envolverde, 30/04/2009)