Disputa por construções abandonadas por arrozeiros na reserva acirra as divergências entre grupos de indígenas em RR. Representantes do CIR e da Sodiur dizem que diferenças entre as entidades devem aumentar após a retirada completa dos não índios
No último dia do prazo legal para a saída dos não índios da reserva Raposa/Serra do Sol, indígenas de entidades rivais já discutiam nesta quinta (30/04) a "herança" de quem deixou a área. Construções abandonadas na vila Surumu (porta de entrada da terra indígena) estão sendo ocupadas por índios da Sodiur (Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima), que apoiou a permanência dos arrozeiros.
O problema é que, para lideranças do CIR (Conselho Indígena de Roraima), organização a favor da saída dos não índios, as chaves dos imóveis deveriam ser dadas à Funai (Fundação Nacional do Índio), que depois decidiria o que fazer com eles. "Estamos fazendo isso porque eles [CIR] querem abarcar tudo", disse o índio macuxi Edinilson Albuquerque, da Sodiur.
Cristóvão Galvão, um dos líderes do CIR na região, disse que fará apenas o que mandar a Justiça. Para ele, "esse discurso de derramamento de sangue" é exclusivo dos que foram derrotados pela decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de manter a demarcação contínua da reserva, que ocupa 7% do Estado (1,7 milhão de hectares). Ambos disseram que as diferenças entre as entidades devem aumentar após a retirada completa dos não índios.
Terra arrasada
Outra disputa deve envolver a ocupação das ao menos oito fazendas de arroz, propícias para plantações e criação de animais. Nas propriedades, não restou muito para ser usado. Os arrozeiros as tornaram "terra arrasada" antes de sair. Paulo César Quartiero, líder dos produtores, tirou quase tudo de sua fazenda. Depois, usou máquinas para derrubar até as construções de alvenaria.
Ontem, o tráfego de caminhões que saíam das propriedades era intenso. Tentavam levar tudo o que podiam até a 0h de hoje, quando vencia o prazo para a saída voluntária. Os poucos expulsos que ainda restavam na vila ontem esperavam os caminhões cedidos pelo governo estadual para levar os bens. Segundo afirmaram, eles somavam menos de dez famílias. As que não conseguirem sair no prazo não devem resistir à retirada. Mas há outras no interior da reserva, que podem insistir em ficar.
Já os índios não demonstravam estar na reta final de um conflito que, dizem eles, durou 38 anos e lhes custou 22 vidas. Na escola e nas casas, não havia sinais de festa. A tranquilidade na vila só foi quebrada pela chegada do presidente do TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região, Jirair Meguerian, e de um ônibus com 50 agentes da FNS (Força Nacional de Segurança).
A FNS, junto à Polícia Federal e à Funai, começaria a operação de retirada de quem insistir em ficar na área a partir da madrugada de hoje. A ação pode durar até um mês e será realizada por mais de 500 funcionários federais. Meguerian pediu aos índios que não tentem expulsar aqueles que não saírem após o final do prazo. A ordem é para que apenas a PF faça isso.
(Por João Carlos Magalhães, Folha de S. Paulo, 01/05/2009)