Contra ou a favor do Pontal do Estaleiro? A questão não é essa. Esse é o pedaço de carne que o ladrão joga para distrair o cão que vigia o pátio. A questão é saber o que está acontecendo. Por que uma Câmara, que tem a enorme responsabilidade de fazer uma revisão do Plano Diretor da cidade, perde meses discutindo uma questão pontual, que envolve um terreno privado?
Debates, passeatas, atos públicos, liminares, audiências públicas, acusações, denúncias, investigação no Ministério Público, tudo isso para quê? Para que um empreendedor privado faça um bom negócio com um terreno que ele acaba de adquirir? Para recuperar uma área da cidade que está abandonada? Há 15 anos, a área está abandonada. Já se mudou a lei às pressas uma vez, para que ela fosse “urbanizada”, “qualificada”, “revitalizada”, e ela continuou abandonada. Como tantas outras continuam abandonadas.
Ou é para quebrar uma regra que a cidade tem conseguido manter? Há 30 anos, embora com percalços, resiste em Porto Alegre a idéia de preservar a orla como espaço público, talvez o mais valioso numa cidade que tem seus principais parques saturados ou à beira de saturação.
Veja-se a Redenção ou o Parcão nos fins de semana. O Parcão, aliás, é um caso exemplar. Havia um projeto de grandes prédios para aquela área, que pertencia ao antigo Jockey Club. Foi um movimento da comunidade que encontrou eco na Câmara de Vereadores e preservou aquele espaço para ser um parque, hoje consagrado na vida da cidade.
A diferença é que naquela época, em plena ditadura, a cidadania tinha mais voz na mídia do que hoje, quando se diz que estamos numa democracia. E a manipulação dos fatos não era tão escancarada como agora, quando se trata de interesses imobiliários.
Porto Alegre tem um movimento comunitário que é reconhecido no país. Foi destaque numa série do Jornal Nacional sobre o tema. Aqui ele é encoberto com uma capa de silêncio, seus líderes são rotulados como defensores do atraso, inimigos do progresso, satânicos, porque contestam concessões que o poder público faz ao interesse de grupos privados.
Com a cidadania silenciada, a democracia representativa vira farsa. É o risco que estamos correndo nesse processo do Pontal do Estaleiro - desde o vício de origem até esse embrulho lamentável em que estão metidos o senhor prefeito e os senhores vereadores na hora da decisão final. Esse é o problema.
(Por Elmar Bones, Jornal JÁ, 28/04/2009)