Em confronto aberto no plenário do Senado, ambientalistas e ruralistas travaram nesta quarta (29/04) mais um duro embate na disputa política causada pela proposta de reforma do Código Florestal Brasileiro. Em inédita audiência pública conjunta de 11 comissões do Senado, houve guerra de números, pesquisas e versões. Da tribuna, senadores trocaram acusações e as "torcidas" dos dois lados se manifestaram livremente com vaias e aplausos nas galerias da Casa. Os ruralistas pretendem mudar o código para reduzir percentuais de conservação obrigatória (reserva legal), permitir a recomposição florestal com espécies exóticas "comerciais" em outras bacias hidrográficas ou Estados, além de garantir financiamento para recuperação de áreas degradadas e pagamento por manter a floresta em pé (serviços ambientais).
Já os ambientalistas resistem a qualquer mudança, não querem "anistia" para quem destruiu a floresta, mas admitem subsídios oficiais a quem preservar as áreas protegidas. No plenário, os embates foram duros. A senadora Kátia Abreu (DEM-TO) afirmou que queria "pautar a discussão pela ciência", mas não admitia "leis que não possam ser cumpridas" pelos cerca de 5 milhões de produtores rurais do país. Segundo disse, "a lei atual não foi votada por nós, pois é uma medida provisória de 2001".
Também presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), a senadora defendeu que o percentual de proteção exigido por lei seja calculado sobre a cobertura vegetal existente e não sobre a totalidade de cada propriedade. E apelou para que os Estados pudessem legislar sobre questões ambientais. Em resposta, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) rejeitou as pressões da bancada ruralista e pediu cautela nas mudanças no código. "Não haverá rolo compressor nessa matéria porque a sociedade vai reagir", disse. Ele pediu um "compromisso" dos ruralistas para evitar novos desmatamentos. "Queremos esse compromisso, mas sem atropelar o Congresso".
No mesmo tom, a senadora Marina Silva (PT-AC) acusou os produtores de praticarem uma "forma errada de agricultura" e ironizou que os "desenvolvimentistas" agora peçam alternativas aos ambientalistas. "Temos que pensar naqueles que ainda não nasceram, e não apenas em nossos filhos e netos. O lucro de algumas décadas não pode ser mais importante do que nosso futuro", afirmou a ex-ministra.
O cenário estava desenhado para debater um polêmico estudo assinado pelo chefe-geral da Embrapa Monitoramento por Satélite, o pesquisador Evaristo Miranda. O trabalho afirmava que "apenas" 29% do território brasileiro estaria livre para a atividade agropecuária - ou 245,5 milhões de hectares. O Ministério do Meio Ambiente apostou na "desconstrução" da pesquisa ao inverter o raciocínio e apontar que as restrições de uso da terra atingem "somente" 22% do território nacional. Assim, estariam disponíveis 300 milhões de hectares à atividade produtiva, apontou o assessor especial para Clima e Florestas, Tasso Azevedo.
Entre as duas estimativas, há uma diferença significativa de 55 milhões de hectares. Outro estudo preliminar, apresentado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) aos senadores, afirma que haveria entre 306 milhões e 366 milhões de hectares que estariam aptos à agropecuária. A diferença está na forma de cálculo. Para a Embrapa, estão excluídas das estimativas as áreas de unidades de conservação de uso sustentável e as terras indígenas. O Ministério do Meio Ambiente e o Ipam, ao contrário, consideram as duas categorias como de "uso intensivo" permitido para atividades produtivas. Há divergências nos cálculos de reserva legal exigidas pelo Código Florestal, segundo as diferentes regiões do país, e das áreas de preservação permanente (APPs), que devem ser mantidas em beiras de rio e topos de morro.
(Por Mauro Zanatta, Valor Econômico, 30/04/2009)