Pouco mais de um ano depois do início da mistura obrigatória de biodiesel ao diesel mineral, o programa aproxima-se de sua transição mais delicada: a extinção dos leilões de compra até hoje realizados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Ainda não há data, resolução, decreto ou afirmativa do governo federal que marque o momento da guinada, mas ela, por outro lado, já deixou de ser exclusivamente pleito das indústrias. O fim dos leilões tem sido solicitado pelas fabricantes desde sempre, mas a própria ANP já estuda internamente alternativas que possam dar novo um norte na comercialização do combustível. A necessidade de alteração ganha corpo, segundo argumento corrente no mercado, porque se aproxima o momento de elevação da adição compulsória do biodiesel ao diesel mineral, que é atualmente de 3%.
"Acho que está no momento de pensarmos em um modelo transição, no passo seguinte ao do modelo dos leilões", diz Edson Silva, superintendente de abastecimento da ANP. Embora saliente que essa é "uma avaliação pessoal", Silva afirma que, internamente, a agência tem desenhado diferentes cenários para estudar um sistema que substitua o que está atualmente em vigor. O superintendente faz uma analogia fluvial, por assim dizer, para argumentar sobre a necessidade do fim dos leilões. "É como um rio represado: com o tempo, ou ele arrebenta a represa ou o rio acha o seu curso", diz ele. "Pelo que dá para perceber no atual estágio, ou se acha uma alternativa aos leilões ou as empresas vão começar a quebrar. O modelo de leilões funcionou bem para a largada [do programa]. Vamos ver como fica daqui para a frente".
Atualmente, há 65 unidades autorizadas a operar. Apenas no intervalo entre novembro de 2008 e março deste ano, a capacidade nominal total das empresas autorizadas a comercializar o produto passou de 816 mil litros 9,9 milhões de litros por dia, um crescimento de mais de 1.100%. A capacidade total de operação, por sua vez, passou de 11 milhões para 11,4 milhões nesse mesmo intervalo. De acordo com o superintendente, "já existem condições institucionais" para o B5. Em outras palavras, a mistura obrigatória poderia passar de 3% para 5% sem maiores traumas. Há capacidade instalada para isso, além do fato de fabricantes e distribuidoras terem acertado o passo, depois de um início, em certos momentos, errático.
O governo havia programado o B5 originalmente apenas para 2013, o aumento foi antecipado para 2010. No cronograma não havia sido estipulado um degrau intermediário no B4, ou 4% de mistura obrigatória. Esse além pode ser dado ainda neste ano. A ANP aguarda para os próximos dias - ou mesmo para hoje - a publicação no Diário Oficial, pelo Ministério de Minas e Energia, dos pormenores do leilão a ser realizado pela agência em maio. Têm sido crescentes os sinais de que o leilão de maio - que será responsável pelo abastecimento do mercado no terceiro trimestre - já será o do B4.
O imaginado fim dos leilões - pleito de longa data das fabricantes e, agora, objeto de estudos internos da agência que por eles é responsável - por certo não ocorrerá de forma imediata. Entre outros tantos fatores a serem acertados, o logístico é um deles. Atualmente, a ANP realiza os leilões, mas a Petrobras é a única compradora. Feitas as compras, a estatal autoriza as distribuidoras a retirar o biodiesel nas fábricas. Sob essa lógica, também é crucial a definição do novo papel da Petrobras: além de compradora unitária, ela também passou a fornecedora. No leilão mais recente, realizado em fevereiro para abastecer o mercado ao longo deste segundo trimestre, a estatal arrematou 10,7% dos 315 milhões de litros ofertados. Foi a quarta maior fatia entre as empresas vencedoras da rodada.
Passados quase 18 meses do início da mistura obrigatória, o mercado de biodiesel se ajustou, segundo avaliação não da agência, mas de quem consome o produto. "Hoje há mais capacidade de produção e as entregas melhoraram bastante. Ainda existe alguma inadimplência [fabricantes que deixam de entregar os volumes arrematados nos leilões], mas ela é bem menor que a que víamos no início do programa", afirma Alísio Mendes Vaz, vice-presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom).
(Por Patrick Cruz, Valor Econômico, 29/04/2009)