Alimento transgênico foi produzido por grupo com objetivo de reduzir a carência alimentar das populações pobres. Planta é a primeira a conter vários tipos de vitamina, e em concentrações maiores que qualquer cereal; estudo não teve verba da indústria
Um grupo internacional de pesquisadores conseguiu pela primeira vez produzir um alimento transgênico contendo mais de um tipo de vitamina e em quantidades bem maiores. O milho transgênico contém tanto do pigmento alaranjado betacaroteno -substância que dá origem à vitamina A- que ficou até da cor de cenoura. Os pesquisadores são acadêmicos sem vínculos com grandes companhias, e seu trabalho, dizem, visa diminuir a carência de vitaminas das populações mais pobres. Em artigo na revista científica "PNAS", eles lembram que quase metade da população mundial sofre com falta de vitaminas.
As vítimas se concentram nos países subdesenvolvidos, onde as populações "subsistem em uma dieta monótona de grãos", escreveram os autores. "Nós estimamos que, se uma pessoa comer de 100 a 200 gramas de milho por dia, terá a dose recomendada completa de quatro vitaminas carotenogênicas -betacaroteno, licopeno, zeaxantina e luteína -, níveis adequados de folato e cerca de 20% da vitamina C", disse à Folha o líder da pesquisa, Paul Christou, da Universidade de Lleida e do Instituto Catalão de Pesquisa e Estudos Avançados, de Barcelona, Espanha.
"Pela primeira vez nós demonstramos que se pode usar a engenharia genética e plantas transgênicas para melhorar múltiplos traços nutricionais em uma mesma cultura simultaneamente. Até muito recentemente, mesmo vários cientistas duvidavam de que isso seria possível", afirmou Christou. O caso do betacaroteno foi o mais dramático: a equipe conseguiu aumentar em 169 vezes a quantidade natural do milho. Isso também é cinco vezes mais betacaroteno do que em outro alimento transgênico, o chamado "arroz dourado", que acabou virando propaganda da biotecnologia "do bem". Para suprir suas necessidades de vitamina A com esse arroz, no entanto, uma pessoa precisaria comer mais de 4 quilos por dia.
Bomba
A criação do "supermilho" envolveu bombardear embriões da planta de 10 a 14 dias com partículas metálicas cobertas com cinco genes -dois envolvidos na síntese do betacaroteno, um para vitamina C, um para folato (vitamina B9) e um para servir de "marcador". O supermilho também apresentou nível de vitamina C seis vezes maior que o natural e duas vezes mais folatos. O betacaroteno é importante para a visão. A vitamina B9 é fundamental para a formação de proteínas e da hemoglobina do sangue, e importante para evitar anemias. Já a vitamina C é importante para a formação do colágeno, a proteína que dá resistência aos ossos e dentes.
Ainda é preciso estudar melhor a capacidade de absorção dessas vitaminas do milho pelo organismo humano. O processo de cozimento também poderia destruí-las. Mas Christou é otimista. "Lembre-se que nós comemos vegetais cozidos e ainda assim obtemos uma boa dose de vitaminas", diz. Ele rebate as críticas feitas por grupos ambientalistas, que não admitem nenhuma forma de cultura transgênica.
"A comercialização e a liberação de plantas transgênicas são governadas por regras draconianas e sem paralelo em qualquer outro setor. A União Europeia, após um estudo de 15 anos envolvendo 400 instituições públicas de pesquisa, a um custo de 70 milhões, declarou que plantas e produtos derivados geneticamente modificados não apresentam risco à saúde ou ao ambiente." "Trabalho neste campo faz 27 anos. Não tenho filiação à Monsanto, Syngenta, ou qualquer outra companhia de biotecnologia, e todo nosso financiamento é público e aberto, como nossa pesquisa focando em aplicações humanitárias em países em desenvolvimento", diz o pesquisador.
(Por Ricardo Bonalume Neto, Folha de S. Paulo, 28/04/2009)