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violência rural conflito fundiário mst
2009-04-28

Padre e gerente de fazenda andam com escolta. Somente em 2008, 13 pessoas morreram em conflitos agrários no estado

A reportagem do "Fantástico" visitou uma região do estado do Pará considerada explosiva por conta dos conflitos agrários que mataram mais de 800 pessoas desde os anos 70. Por conta disso, o estado é o único do país que tem um grupamento da Polícia Militar especializado em conflitos rurais. Xinguara fica no sul do Pará, a 900 quilômetros de Belém. Parece uma cidade pacata, mas sua área rural é um barril de pólvora. No dia 18 de abril, sem-terra e seguranças da Fazenda Espírito Santo se enfrentaram.

“Aqui em Xinguara, a cada semana pelo menos, uma pessoa é assassinada por tiro ou faca. Aqui se mata à toa”, diz o frei Henri des Roziers, coordenador da Pastoral da Terra. “Tem que andar em caminhonete, carro blindado. Para ir na rua resolver meus problemas particulares eu tenho que ir com segurança”, relata o gerente da Agropecuária Santa Bárbara, Oscar Boller, que administra a Fazenda Espírito Santo. “Eu recebi mensagem por telefone dizendo que em breve Xinguara estaria sem prefeito”, ressalta Davi Passos, prefeito da cidade.

Uma equipe da TV Liberal, afiliada da TV Globo no Pará, registrou o confronto ocorrido no dia 18. O grupo do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) avançou em direção às casas de funcionários da agropecuária. Quebraram o carro que era usado para bloquear a passagem. Houve tiroteio e oito pessoas ficaram feridas. Os sem-terra que participaram da ação vivem em dois acampamentos ao longo da rodovia PA-150, que liga Xinguara a Eldorado dos Carajás. Paulo Ferreira Lima, de 18 anos, é filho do sem-terra conhecido como Índio, que apareceu sendo socorrido. “Ninguém podia deixar uns irem na frente, e outros ficar para trás. Unidos, a fila que nem a gente sempre faz, e fomos seguindo até onde desse”, lembrou ele.

Confronto
Valdivino de Souza se recupera do tiro que levou no confronto. Veio da Bahia para tentar a vida no Pará. Chegou ao acampamento há três anos, com a mulher e quatro filhos. “Ela tem uns irmãos que bebe muita cachaça, aí não batia muito com meu gênio. Começamos a discutir, aí foi quando surgiu aqui o movimento de entrar nessa fazenda. Aí eu vou lá para os sem-terra, diz que lá é a chance da gente conquistar um pedaço de terra e fui para lá”, diz Valdivino. “Não tem como ter uma vida melhor do que essa. Aqui pelo menos não paga aluguel, não paga energia, e come do que da terra produz", afirma o agricultor.

Os irmãos Charles e Gildomberg da Natividade também participaram da invasão. São a segunda geração de uma família envolvida nos conflitos de terra. O pai, José da Natividade, sobreviveu ao massacre de Eldorado dos Carajás, na década de 90, em que 19 pessoas. “Nada mudou, principalmente no estado que vivemos. (O) estado do Pará, que é violento, que não conversa, não tem diálogo. Conversa é responder com bala”, lembra Gildomberg, que integra o MST.

“É inegável pelas imagens que havia pelo menos três armas. Do outro lado havia um arsenal muito mais poderoso. E depois, tomando conta dos fatos, as armas que aparecem do lado dos trabalhadores são armas dos posseiros. (Os) posseiros estão acampados no acampamento ao lado, (e) se envolveram também no conflito”, explica Charles Trocate, membro da coordenação do MST no Pará. Hoje, na fazenda Espírito Santo, quem abre a porteira são os sem-terra. Logo na entrada, montaram uma barricada com sacos de areia.

Escolta
O carro destruído pelos sem-terra está no mesmo lugar. Várias empresas fazem escolta armada da sede da fazenda, administrada pela Agropecuária Santa Bárbara, que tem como um dos sócios o banqueiro Daniel Dantas. Mesmo com os seguranças, o gerente pediu proteção policial e só anda de carro blindado. “Eles estão fazendo terror aqui, vivem ameaçando, matam gado toda noite”, diz Oscar Boller. “Te dão um tiro e correm, depois quem é MST, quem deu tiro? Não tem CPF, nem documento nenhum."

O gerente da fazenda acusa um religioso francês pelas invasões em Xinguara. “Na minha opinião pessoal ele é um agitador, porque tudo isso é comandado por ele. Por que fazer isso? Por que não espera a Justiça decidir? O pessoal que está ali dentro, muita gente não é nem do Pará. Ele traz gente de fora, ele promove a baderna. Não dá nem para explicar que ele seja católico. Um católico não mente”, frisou Boller.

Frei Henri des Roziers é o coordenador da comissão pastoral da terra na cidade. Francês, ele está no Brasil há 30 anos. Admite que apoia o MST, mas nega ser o mandante das invasões. "Responsável pela invasão, certamente não. Nós assessoramos, fazemos a defesa dessas organizações, por exemplo, entre outras organizações, a do MST, para poder conseguir fazer avançar a reforma agrária e conseguir seus direitos à terra", ressaltou Roziers. Por ordem do governo do estado, Frei Henri anda com escolta policial e brinca que o preço pela sua vida deve ser alto demais. “Porque eu sou velho, sou religioso. Matar um religioso é mais complicado, o preço é mais alto. Sou estrangeiro, sou advogado, tudo isso é uma proteção tremenda”, reesslatou.

Tiro
Durante a entrevista, Abidiel Vilarindo, outro sem-terra baleado no confronto, chegou à pastoral. “Tomei um balaço aqui, outro aqui na coxa e outro na boca”, disse ele. A Comissão Pastoral da Terra estuda a violência no campo desde os anos 70. Deste período até hoje, os conflitos mataram mais de 800 pessoas. Segundo a Pastoral, é no Pará onde morre mais gente em conflitos agrários.

Existe no estado um grupamento da Polícia Militar, único no país, especializado em conflitos rurais. Mesmo assim, no ano passado, 13 pessoas foram assassinadas. “Há uma grande indefinição sobre propriedade de terras, muita grilagem de documentos, muita área pública não destinada e alguma área pública em que há discussão se é área pública federal ou estadual. A rigor não temos situação hoje situação fundiária esclarecida no estado, o que dá margem a uma série discussões e uma série de fraudes, tanto ambientais quanto fundiárias”, diz Ubiratan Cazetta, procurador da República no estado.

“Eu acho que se os fazendeiros se unirem e usarem a força do jeito que eles usam, eu acho que resolve”, diz o gerente da Fazenda Espírito Santo. “Mais trabalhadores vão ser vítima desse conflito, porque mais ocupações vão ocorrer na região, independentemente da vontade do MST ou dos outros movimentos. Não vai sobrar latifúndio nem para fazer remédio na nossa região”, ressalta Charles, do MST.

(G1, com informações do Fantástico, 26/04/2009)


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