Alguns cientistas preferem não fazer previsões catastróficas demais
A linguagem foi apocalíptica. Um importante cientista climático advertiu que o aumento das temperaturas na Terra provocaria desastres irreversíveis se não fossem tomadas medidas urgentes para conter o aquecimento global. "O clima se aproxima de seus pontos de desequilíbrio", escreveu o cientista climático da Nasa James Hansen no jornal "The Observer" de Londres em fevereiro. As calamidades resultantes, advertiram Hansen e outros cientistas de pensamento semelhante, poderão ser amplas e avassaladoras: a perda de inúmeras espécies quando os recifes dos oceanos e as florestas forem perturbados; a transformação da Amazônia em um campo seco; o aumento do nível do mar resultante do derretimento de camadas de gelo na Antártida e na Groenlândia; e o aquecimento da tundra ártica, que liberaria o gás metano na atmosfera.
Mas a ideia de que o planeta está se aproximando do ponto de desequilíbrio -limite em que a mudança se torna incontível- causou uma divisão entre cientistas que de outro modo compartilham profundas preocupações sobre o aquecimento climático. Ambientalistas e alguns especialistas advertem cada vez mais sobre esses pontos de desequilíbrio em seus esforços para mobilizar o público. O termo confere uma sensação de imediatez às potenciais ameaças do aquecimento climático-perigos que de outro modo poderiam parecer irrelevantes.
Mas outros cientistas dizem que há poucas evidências sólidas que apoiem as previsões de catástrofe. Eles temem que o uso do termo "pontos de desequilíbrio" possa ser enganoso e cause um retrocesso, alimentando as críticas de alarmismo e ameaçando o apoio público à redução das emissões de gases do efeito estufa. "Acho que grande parte dessa conversa é perigosa", disse Kenneth Caldeira, cientista da Universidade Stanford, na Califórnia, e do Instituto Carnegie, organização para pesquisas científicas, e defensor da ação rápida para reduzir as emissões de dióxido de carbono. "Se dissermos que já passamos dos limites e pontos de desequilíbrio, será uma desculpa para a inação."
Enquanto os estudos dos padrões climáticos no passado distante mostram o potencial para mudanças drásticas, dizem esses cientistas, há uma enorme incerteza ao fazer previsões específicas sobre o futuro. Em alguns casos, há grandes questões sobre se os desastres causados pelo clima -como a perda da Amazônia ou o aumento no nível do mar em vários metros- sequer são plausíveis. E, mesmo nos casos em que a maioria dos cientistas concorda que o aumento da temperatura poderia causar uma mudança incontível, ninguém sabe onde está o limite que detonaria as mudanças.
Hansen defende o uso do termo ponto de desequilíbrio e disse que ele representa acuradamente algumas consequências prováveis do aquecimento global irrestrito. Existe abundante evidência, diz, de que o aumento das temperaturas pode ter um efeito abrupto, calamitoso e "não linear" sobre as geleiras e os ecossistemas. Mas outros veem poucas evidências de um distúrbio desenfreado. Por exemplo, a ideia de que o recente recuo acentuado do gelo de verão no mar do pólo norte adquiriu um momento próprio foi contestada recentemente em trabalhos dos cientistas John S. Wettlaufer, da Universidade Yale, e Ian Eisenman, do Instituto de Tecnologia da Califórnia.
Eles afirmam que os bancos de gelo finos têm a capacidade de se reconstituir rapidamente no final do verão, equilibrando o derretimento que ocorre enquanto a luz do sol atinge e aquece a água escura. De modo mais geral, Wettlaufer salientou a importância de ser "totalmente honestos sobre o que sabemos e o que não sabemos".
(Por Andrew C. Revkin, The New York Times / Folha de S. Paulo, 27/04/2009)