O fazendeiro Paulo César Quartiero, maior produtor rural instalado no interior da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, decidiu adotar a política da terra arrasada. Insatisfeito com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a sua saída daquela área até quinta-feira (30/04), ele está disposto a não deixar nada em pé. Nenhuma casa, galpão, curral, rede de eletricidade, sistema de irrigação, nada que possa ser utilizado pelos índios, que, na sexta-feira, devem tomar posse das duas fazendas que ele possui naquela área - num total de quase 9 mil hectares. Até o piso das construções está sendo revolvido.
Neste domingo à tarde (26), na Fazenda Depósito, que fica a cerca de 170 quilômetros da capital, Boa Vista, a movimentação era intensa. De tempo em tempo, carretas enormes e fechadas, apropriadas para o transporte de gado, deixavam a fazenda, levantando nuvens de poeira. Levavam aos poucos o rebanho da raça canchim que Quartiero possui, com quase cinco mil cabeças. Em outra parte, grupos de peões retiravam telhas, portas, esquadrias, estruturas metálicas, enfim, todo o material que pode ser aproveitado em outra obra. Logo atrás deles, vinha uma enorme retroescavadeira, derrubando paredes e revolvendo pisos.
Quartiero é o maior produtor de arroz irrigado de Roraima, com índices de produtividade que se aproximam dos obtidos nos Estados do Sul. Ele também planta soja e cria gado. Mas não possui títulos legais das terras que começou a ocupar no final dos anos 70 - e que agora foram declaradas terras indígenas, na conclusão do processo de demarcação da Raposa Serra do Sol. Durante quase dez anos, Quartiero, ao lado de outros seis grandes produtores que estão dentro da área indígena, lutaram para reverter o processo e obter autorização legal para continuarem ali. Eles chegaram a bloquear estradas da região e queimar pontes, na tentativa de impedir que a terra fosse entregue aos índios.
O caso acabou no STF, que, no mês passado, determinou a saída de todos os não-indígenas do território da Raposa Serra do Sol - uma área com 1,7 milhão de hectares, dos quais apenas uma pequena faixa é ocupada pelos produtores rurais. Ontem, ao falar sobre a derrota, Quartiero desabafou: "Meu erro foi ter confiado na Justiça, foi ter confiado no Exército, que me disse 'lute que nós apoiaremos', mas não apoiaram". De acordo com as leis do País, ele não tem direito a nenhuma indenização pelas terras nas quais investiu pesadamente, devendo receber apenas pelas benfeitorias que fez. A avaliação foi feita por órgãos do governo, mas ele contestou o valor e se recusou a receber a primeira parcela, já depositada em juízo. Com a decisão de destruir tudo, não deixando nada para os índios, ele cria uma nova frente de atrito com a Justiça e com o governo.
Quartiero já enfrenta ações na área ambiental. Técnicos da área ambiental que estiveram em sua fazenda o acusam de ter destruído matas ciliares, áreas de preservação permanente, além de ter poluído os rios. As multas chegam a R$ 36 milhões. Ontem, indagado sobre a possibilidade de mais atritos com as autoridades federais, ele disse que preferia não comentar o assunto. Em outro momento, comentando a saída, disse: "Perdemos. Mas vamos sair de cabeça erguida. Quem vai ficar aqui são os fundamentalistas da Igreja Católica (numa referência ao Conselho Indigenista Missionário), a serviço dos interesses internacionais."
(Por Roldão Arruda, O Estado de S. Paulo, 27/04/2009)