Grandes cidades estão com dificuldade para tocar as obras de saneamento básico do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Um levantamento realizado pelo Instituto Trata Brasil - entidade que reúne empresas e ONGs do setor - em 26 municípios brasileiros com mais de 500 mil habitantes mostra que 60% das 96 obras de esgoto do PAC financiadas pela Caixa Econômica Federal (CEF) e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) estão com problemas. Entre elas, 26 ainda não foram iniciadas, 28 estão atrasadas e 5 foram paralisadas. As informações são das próprias instituições financiadoras. Entre os motivos relatados pelas cidades para o ritmo abaixo do esperado estão a não finalização dos projetos executivos, a dificuldade de obter licenciamentos ambientais e até a falta de interessados nas licitações.
Considerando apenas o financiamento da Caixa para 78 obras no valor de R$ 2,3 bilhões, foram liberados até o final de março, data do último levantamento, R$ 242 milhões, 10,5% do total. Das obras já iniciadas, 57% apresentam menos de 10% do serviço concluído. Dos 18 projetos financiados pelo BNDES, no valor total de R$ 367,8 milhões, nove ainda não foram iniciados. Os recursos liberados até agora pelo banco somam R$ 28,3 milhões. Pelas regras, obras ñão iniciadas até junho perderão os recursos.
Em Curitiba, ainda não foram iniciadas obras de implementação de redes e coletores de esgoto. Segundo a Sanepar, empresa de saneamento do Paraná, o projeto executivo está em fase de elaboração. Mesmo assim, a expectativa da companhia é de que o investimento comece em setembro deste ano, com término em outubro de 2010. A cidade também teve problemas com falta de interessados em duas licitações, o que acabou atrasando a obra de implantação do sistema de esgoto em assentamentos precários nas bacias dos rios Iguaçu e rio Belém.
Heitor Wallace de Mello e Silva, diretor de investimentos da Sanepar, acredita que o setor privado não estava preparado para absorver o expressivo volume de licitações lançadas em todo o país na mesma época. "Devido ao grande volume, as empresas deixaram de participar de várias licitações, chegando a 18 licitações desertas só no período entre junho e agosto de 2008 em Curitiba e na região metropolitana", diz. Apesar do contrato de financiamento ter sido assinado com a Caixa em dezembro de 2007, a licitação só foi finalizada em outubro do ano passado. Silva diz, porém que o atraso não comprometeu o cronograma da obra, e a previsão de término é janeiro de 2010.
Na avaliação do secretário nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, Leodegard Tiscoski, as empresas que atendem ao setor estavam desmobilizadas por conta do longo período sem investimentos, e essa foi uma das razões para a demora na retomada de ritmo das obras no início do PAC. "A notícia de que faltou interessados em algumas obras até que é boa, pois significa que o setor está aquecido", diz.
Tiscoski não olha apenas para os grandes municípios, mas para o universo total de obras no PAC. Segundo o secretário, um dos principais problemas no início foi a dificuldade técnica de municípios menores, mas a questão já foi contornada. O monitoramento do total das 1,6 mil obras - R$ 21,8 bilhões contratados - mostra, porém, que 10% estão com problemas para serem iniciadas por conta principalmente da falta de projetos executivos e da dificuldade para obter licenças ambientais.
"Houve casos de cidades que disseram que tinham projeto executivo e depois não tinham, e por isso há alguma demora na execução". Para Tiscoski, os problemas são pontuais, pois 75% das obras foram iniciadas, o que indica um grande volume de investimentos em 2009. O desembolso de recursos até agora, porém, está em 12% do total, dado semelhante ao da amostra dos municípios maiores coletada pelo Trata Brasil.
Em Santo André, município paulista, as obras de esgotamento sanitário no córrego Araçatuba estão paralisadas por conta de dificuldade na obtenção da licença ambiental. O Semasa, companhia municipal de saneamento, assinou o contrato com a Caixa em setembro de 2007, no valor de R$ 6,6 milhões, com um projeto básico elaborado há três anos. Na hora de detalhar o projeto, descobriu-se a necessidade de se adequar a regras ambientais. As mudanças praticamente duplicam o valor das obras.
"Fizemos a licitação com o projeto básico, que atendia à legislação ambiental da época", diz Fernando Debeus Costa, diretor de Planejamento e Obras do Semasa. Segundo ele, o município está analisando como poderá fazer alterações para não perder o financiamento com a Caixa. "Estamos conversando com a Caixa para ver se é possível fazer uma repactuação ou um aditivo do contrato", diz. A preocupação existe por conta do prazo dado pelo Ministério das Cidades. Obras não iniciadas até junho deste ano perderão o financiamento e o recurso deve ser remanejado para outro projeto. "O prazo inicialmente era o segundo semestre do ano passado, mas foi adiado", diz o secretário Tiscoski.
No Distrito Federal, o projeto de implantação de sistemas de esgoto nas localidades de Sol Nascente e Por do Sol está atrasado e aguarda a liberação da licença ambiental para ser licitado. Segundo Cristiano Magalhães de Pinho, diretor técnico de meio ambiente da Caesb, companhia de saneamento do Distrito Federal, a expectativa era ter obtido a licença no dia 23 de março. "O prazo de conclusão da obra fica comprometido com a demora da licença", diz. A Caesb calcula serem necessários 18 meses para concluir as obras, mas segundo Pinho, caso haja mais atraso, será estudada uma forma de reduzir o prazo sem elevar os custos.
Na capital paulista, em Osasco e em Santo André, obras da Sabesp também estão aquém do ritmo esperado segundo os dados da Caixa. Das 12 obras contratadas com a Caixa e o BNDES, nove não foram iniciadas. Segundo a empresa, todos os projetos estão encaminhados. Na capital, um dos projetos já tem o contrato assinado, dois estão em processo de licitação e dois estão em fase final de montagem do edital para serem licitados em maio, mesmo caso da obra de Santo André a cargo da empresa.
Em relação às obras em Osasco, a Sabesp diz que todas foram licitadas, apesar de terem sofrido atrasos pela revisão de alguns projetos e dificuldades no processo ambiental. Outro fator de atraso tem sido a demora da prefeitura de Osasco na desapropriação dos terrenos onde haverá intervenção. Segundo a Sabesp, até o momento só foram iniciadas obras onde não é necessário licenciamento. Em Guarulhos, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto da cidade (Saae) informa que todas as obras estão dentro do cronograma, mas o levantamento da Caixa indica atraso. Os contratos foram assinados em junho de 2007, mas o projeto mais adiantado executou apenas 17,98% das obras.
Segundo Raul Pinho, presidente do Instituto Trata Brasil, a instituição enviou correspondência para todos os municípios questionando o motivo dos atrasos e aguarda resposta. "Nosso objetivo foi ver identificar os problemas e cobrar os gestores das obras", diz ele.
(Por Samantha Maia, Valor Econômico, 27/04/2009)