Já estava na hora de vir uma boa notícia sobre a malária, doença cujo parasita tem adquirido resistência a remédios, cujo mosquito transmissor tem feito o mesmo com inseticidas e que mata uma criança a cada 30 segundos na África. O primeiro mapa global da doença dos últimos 40 anos mostrou que a população na área de risco é menor do que se imaginava - "meros" 2,37 bilhões em vez dos normalmente estimados 3 bilhões. O mapa foi elaborado durante dois anos pelo Projeto Atlas da Malária. O artigo que o apresenta foi publicado na revista "PLoS Medicine" por 13 autores, coordenados por Simon Hay e Robert Snow, Universidade de Oxford e do Instituto Queniano de Pesquisa Médica.
Melhor ainda, a pesquisa mostra que perto de 1 bilhão de pessoas vivem em áreas com índice relativamente baixo de transmissão da doença. "Colocá-la sob controle seria factível usando ferramentas existentes, como mosquiteiros", diz Hay. Para obter uma visão precisa da malária no mundo em 2007, os cientistas usaram 7.953 dados de índices de infecção pelo parasita Plasmodium falciparum, um dos quatro que causam a doença em seres humanos - e o mais letal.
Agora eles pretendem atualizar o mapa anualmente, o que facilitará às autoridades de saúde pública acompanhar a evolução do combate à endemia. O mapeamento de outro parasita importante, o Plasmodium vivax, também está sendo feito. Hoje o MAP (Projeto Atlas da Malária, na sigla em inglês) já tem coletados 14.710 relatos de infecção, vindos de 87 países. Os mapas foram feitos com resolução de 5 km por 5 km, o que exigiu um ano do tempo de um supercomputador.
Eliminação
Erradicar a malária, como foi feito com a varíola, ainda é um sonho distante, e há quem diga que é impossível. Mas epidemiologistas otimistas afirmam que é possível eliminar a doença de vários países. Em um estudo anterior, publicado na revista médica "The Lancet Infectious Diseases", Hay e colegas mostraram que o auge da distribuição da malária pelo planeta ocorreu provavelmente em 1900. Foi nessa virada de século que se conheceu o ciclo da doença. Antes ela era associada a emanações de regiões pantanosas --daí o nome, do italiano antigo, "mal ar".
Segundo este artigo anterior, um século de intervenções humanas, incluindo o uso intensivo do inseticida DDT, fez a área sujeita à doença no planeta cair de 59% para 27% no começo do século 21. Até a metade do século passado ainda havia malária no sul dos EUA e em vários pontos da Europa. A porcentagem de população humana vivendo em áreas malarígenas também caiu muito em um século, de 77% em 1900 para 46% em 1994. Mas a explosão populacional fez o número absoluto de pessoas em risco quase triplicar.
Apoio
Que estratégias o atlas pode sugerir? "Vários fatores contribuem, como riqueza, vetores, corrupção, geografia, conflito, acessibilidade etc; mas eu acho que estamos chegando a uma situação em que grandes passos podem ser dados", afirma Hay. Para o pesquisador, o fator fundamental é conseguir o apoio político de sucessivos governos. "Os países que eliminaram a malária muitas vezes levaram duas a três décadas para consegui-lo e mantiveram seus esforços mesmo quando os casos anuais passaram a ser muito, muito baixos", declara Hay.
O continente americano está em melhor situação. "Quase todos os 40 milhões em risco de malária vivem em áreas onde a transmissão é menor que 5%. Tecnicamente, os obstáculos à eliminação da doença aqui são baixos, diz Hay. "Pode-se dizer o mesmo para vastas faixas da Ásia central e sudeste." Ironicamente, o atlas tende a ser menos útil nos lugares com menor transmissão.
"Quando os riscos de transmissão ficam muito baixos eles se tornam muito dispersos. Em uma região ampla como a bacia amazônica, os riscos reais provavelmente são definidos pela proximidade de populações esparsas a locais de reprodução do mosquito, como áreas malarígenas criadas pelo homem em garimpos", afirma Snow. "Nesse nível você precisa de um mapeamento com resolução espacial muito maior e de inteligência médica - algo fora do alcance de um projeto de mapeamento global lidando com 87 países", conclui Snow.
Já na África a tarefa permanece difícil, embora o atlas tenha revelado boas surpresas, como transmissão abaixo do esperado no "chifre" do continente (onde fica a Somália), no Quênia e na Tanzânia. O mapa de 2008, em elaboração, mostrou avanços em Moçambique.
Vilão subestimado
Apesar de o Plasmodium falciparum ser mais letal, seu primo P. vivax tem uma distribuição mais ampla, pois pode tolerar temperaturas mais baixas e ficar latente no organismo antes de uma recaída. Na África, contudo, existem populações com um gene que as torna imunes à infecção pelo P. vivax.
"A comunidade internacional está gradualmente compreendendo que o P. vivax não é um parasita benigno como classicamente se pensava. Não sabemos o quanto de doença e morte podem ser atribuídos ao P. vivax. Com os mapas melhores nós vamos poder começar a estimar isso", conclui Hay.
(Por Ricardo Bonalume Neto, Folha Online / AmbienteBrasil, 26/04/2009)