Deixar de queimar propositalmente as florestas tropicais, savanas e áreas agrícolas --como canaviais-- pode baixar a contribuição da humanidade ao aquecimento global em 19%. A cifra, publicada em um artigo de revisão na revista científica "Science" desta semana, escancara a importância das queimadas no fluxo de energia global. Os cientistas não sabiam que o fogo tinha tanta importância assim. O físico da USP (Universidade de São Paulo) Paulo Artaxo conta que na estimativa, feita com o auxílio de modelos computacionais, entraram gás carbônico, metano e óxido nitroso --gases emitidos pela queima de biomassa que ajudam a aprisionar na atmosfera o calor irradiado pela Terra.
No contexto geral, segundo o registro via satélite anual das queimadas propositais, Brasil, Malásia e Indonésia são os países que mais precisam avançar em políticas públicas que controlem o fogo deliberado. "É a forma mais barata e mais rápida para controlar o aquecimento global", afirma Artaxo.
Na liderança
Os cálculos dos cientistas mostram onde estão as fontes de queimadas que mais bombeiam gases de efeito estufa. Entre 1997 e 2006, os trópicos asiáticos contribuíram com 54% das emissões. Dos trópicos americanos, principalmente da Amazônia, saíram 32%. A África fecha a conta com a contribuição de 14%. Mas é na Amazônia, mais especificamente em Mato Grosso, que está a maior intensidade de focos de calor do planeta. Entre 2000 e 2005, segundo um estudo americano publicado em 2006, Mato Grosso tinha duas vezes mais queimadas que qualquer outra região.
O agravante, diz Artaxo, é que a redução das queimadas na Amazônia, por exemplo, não vai melhorar a temperatura do planeta de forma direta, logo no ano seguinte. A escala de tempo é de décadas. "O carbono que vai para a atmosfera hoje vai sendo acumulado", diz. O fato de o fogo ser um componente "bastante significativo" para as mudanças climáticas globais não tem implicação apenas para as futuras gerações. Sendo o planeta um ambiente altamente inflamável, por causa da quantidade de carbono que existe nele, algumas alterações já ocorrem hoje.
"As florestas úmidas não têm uma experiência histórica com o fogo na frequência com que ele está aparecendo hoje nesses ambientes", afirma Jennifer Balch, do Centro Nacional para Análises Ecológicas e Sínteses, EUA, coautora da pesquisa. De acordo com a cientista americana, durante uma seca extrema, 39 mil quilômetros quadrados da Amazônia (15% da área do Estado de São Paulo) entraram em combustão.
David Bowman, da Universidade da Tasmânia (Austrália), é outro cientista que participou do trabalho sobre o impacto das queimadas em todos os ecossistemas do globo. Para ele, a relação entre seus resultados e o mundo hoje é total. "Os trágicos incêndios em Victoria (Austrália) enfatizam a potencial alteração nos regimes de fogo, que ocorre em paralelo com as mudanças climáticas antropogênicas", diz. Em fevereiro, no Estado australiano, mais de cem pessoas morreram na região por causa dos incêndios. Setecentas casas ficaram destruídas.
No vermelho
O fogo, que está cada vez mais presente por causa das mudanças climáticas, costuma causar grandes prejuízos. No fenômeno El Niño de 1997-1998, na Ásia tropical, as estimativas mostram uma conta de US$ 9 bilhões. Na América Latina, mais seca e por isso mais inflamável, os débitos ficaram em US$ 12,5 bilhões --pouco menos que os US$ 13,4 bilhões dados pelo governo americano para socorrer a GM.
Diante das mortes, das secas e do aquecimento global em pleno curso, os cientistas esperam que os países tropicais passem a considerar mais corretamente o peso das queimadas.
(Folha de São Paulo, 25/04/2009)