As transformações no clima do Brasil têm intensificado a ameaça de pragas para a agricultura e levado ao limite o desafio de melhorar geneticamente plantações, para que resistam a condições extremas de seca, chuva e calor.Não escapa nem o mais brasileiro dos pratos, o feijão com arroz. A elevação da temperatura média dos estados do Sul e mudanças no regime de chuvas já causam prejuízos para as culturas de feijão, soja, milho, café, trigo, cevada, arroz e das frutas que dependem do frio.
- Temos indicações claras de que não se trata de mudança cíclica, natural. A temperatura mínima subiu e o regime de chuvas mudou. Algumas culturas estão seriamente afetadas em todo o país - diz o agrometeorologista Eduardo Assad, chefe da Embrapa Informática Agropecuária. Segundo ele, o aumento da temperatura acelerou a fotossíntese.
- A planta vira uma máquina de fotossíntese, mas não há tempo para usar a energia extra. Ela não consegue gerar mais grãos, por exemplo.
Feijão ameaçado em todo o paísAssad lembra que a ciência tem evitado efeitos piores na agricultura brasileira, graças a melhoramento genético e a técnicas de cultivo. Mas essa capacidade tem limites:
- Buscamos genes que possam melhorar as plantas. Mas mesmo isso tem limites. Com 1 grau Celsius a mais, é possível ter bons resultados. Porém, 2 graus extras tornam tudo muito mais difícil.
Efeitos de mudanças climáticas acabam de ser observados no feijão, segundo Assad. Temperaturas mais altas causam o abortamento das floradas em todo o país. No Paraná, pesquisadores tentam desenvolver variedades resistentes. Nas lavouras de soja de Sul, Centro-Oeste e Sudeste a ferrugem e outras doenças fúngicas aumentaram. O milho também sofre. A avaliação dos pesquisadores é que o aumento dos fungos é provocado pela combinação de excesso de chuvas e temperaturas muito elevadas.
No café, transformações são observadas em Varginha (MG), pela Fundação Pró-Café. E o reitor da Universidade de Viçosa, Luiz Cláudio Costa, especialista em mudanças climáticas, afirma que em Minas Gerais os invernos estão mais curtos e isso prejudica o café. Daniel Pereira Guimarães, da Embrapa em Sete Lagoas (MG), frisa que, além da elevação das mínimas em 2 graus (análise dos últimos 80 anos), a intensidade e a concentração das chuvas mudou, embora a quantidade de água seja a mesma.
A quantidade de tempestades dobrou, enquanto as chuvas de 5 milímetros, melhores para a agricultura, diminuíram. Com isso, a erosão do solo piorou e o florescimento e amadurecimento das plantas se alterou.
Fungo prejudica a cerveja e o pãoAgricultores de cevada e trigo do norte do Rio Grande do Sul também reclamam do tempo. Um estudo da Embrapa revelou que primaveras mais chuvosas e quentes favoreceram à praga giberela - um fungo que ataca os grãos e produz microtoxinas tóxicas para o homem. A praga toma conta das plantações na época de maturação dos grãos e a produção fica contaminada. A cevada atacada não serve mais para a cerveja. O trigo perde qualidade.
- A cevada e o trigo já são afetados pelas mudanças climáticas. A cevada nem será mais viável para a região, porque não serve para as cervejarias - destaca o pesquisador da Embrapa em Passo Fundo (RS) José Maurício Fernandes, especializado em fitopatologia.
Levantamento do Ministério da Agricultura, da Pecuária e do Abastecimento sobre a safra atual de grãos, indica que o Brasil vai colher 13,1% menos trigo em 2009/2010 que no período anterior (2008/2009). Na região Sul, responsável por 90% do cultivo, a colheita deve encolher 14,4%.
A cevada está desaparecendo dos campos gaúchos. Na produção da cerveja, os grãos da cevada são postos em ambiente umedecido por dois dias. Mas a giberela germina junto e pode contaminar a cerveja, causando até câncer no intestino se o consumo for frequente, explica Fernandes. Assim, as cervejarias passam a importar a cevada. A Embrapa estuda formas de adaptar a cevada para outras regiões do país.
No caso do trigo, a maior dificuldade é na colheita do tipo para o pão. Para a produção de alimentos com trigo in natura, como o quibe, pode ocorrer contaminação humana, alerta o pesquisador. Agricultor desde os 12 anos, Arthur Willy Kumpel, de 69 anos, não consegue vender sua produção de trigo, de 44 toneladas, devido à baixa qualidade:
- A colheita foi boa, mas não vai dar para pagar o banco. A cada ano a qualidade fica pior.
Kumpel diz que o trigo não tolera o excesso de chuva seguido por calor.
- Tem havido muita chuva e depois muito sol quente, em vez de frio. O trigo não resiste. Não sei se somos culpados. Fizemos reflorestamento, não desmatamos. Talvez a culpa seja do desmatamento da Amazônia, que comanda o regime de chuvas da região - imagina o agricultor.
Uma das principais cooperativas de produtores do Sul, a Cotrijal, contabiliza os prejuízos da produção e afirma que, por causa das mudanças climáticas, a tendência é o Brasil extinguir a produção de cevada e perder no trigo para a Argentina.
Segundo a Cotrijal, há cinco anos, o Rio Grande do Sul plantava 21 mil hectares de cevada. Em 2008, baixou para 7,5 mil toneladas. Mesmo assim, a colheita não cobriu o custo da produção. A elevação média de quase 2 graus na temperatura mínima na época de floração na região de Pelotas (RS) prejudica a qualidade do arroz irrigado.
A cada grau de aumento da mínima, a perda é de 10% da produção, segundo pesquisa da Embrapa em Pelotas. O pesquisador Silvio Steinmetz, do Laboratório de Agrometeorologia, analisou dados climáticos de Pelotas desde 1893. O estudo mostra que entre 1893 a 2004 o aumento médio da mínima foi de 1 grau. E de 1951 a 2004, a elevação foi de 1,66 grau.
- Se chegarmos a 3 graus, a tendência é de grande redução da produção de arroz irrigado. A causa clara, na nossa avaliação, é o aquecimento global - diz Steinmetz.
(Por Soraya Aggege, O Globo /
IHU Online, 24/04/2009)