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terras quilombolas direitos quilombolas
2009-04-24

Movimentos apontam a publicação da Instrução Normativa nº 49 do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) como um dos motivos para a ausência de titulação de territórios quilombolas em todo o ano passado

O ano de 2008 não foi positivo para as comunidades quilombolas. O governo federal não titulou nenhuma terra remanescente de quilombo no ano passado e ainda publicou a Instrução Normativa (IN) nº 49 do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com novos procedimentos para a identificação e a titulação das terras quilombolas. A medida é considerada um retrocesso pelo movimento quilombola.

Representantes de comunidades até participaram de consulta prévia convocada pela Advocacia Geral da União (AGU), mas não viram seus interesses atendidos no resultado final. Em 2007, o quadro das titulações não foi muito diferente: apenas dois títulos foram entregues pelo governo federal.

Já os governos estaduais do Pará, Maranhão e Piauí emitiram juntos 23 títulos de posse para comunidades quilombolas em 2008. Entre 2003 a 2008, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu apenas seis títulos de territórios tradicionais com essas características. No mesmo período, Pará, Maranhão e Piauí titularam, respectivamente, 16, 15 e 3 territórios.

Existem no Brasil hoje 96 territórios quilombolas e 159 comunidades com terras tituladas. As áreas somam mais de 980 mil hectares. Contudo, o número é considerado pequeno se comparado à quantidade de comunidades que se auto-identificam como quilombolas. Segundo dados da Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP), são atualmente mais de 3 mil. A auto-identificação consta na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, e no Decreto 4.887/2003. Uma ação direta de inconstitucionalidade (Nº 3239) movida pelo partido Democratas contra o decreto aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo Daniela Perutti, antropóloga da CPI-SP, o governo federal alega que as contestações judiciais seriam o principal fator para justificar a morosidade nas titulações. Entretanto, pesquisas da entidade sobre as ações judiciais envolvendo quilombolas indicam que as contestações judiciais "não são até o presente momento um fator significativo para a lentidão dos processos".

Das 127 ações judiciais em curso acompanhadas pela CPI-SP em setembro de 2008, apenas 13 tinham como objeto o questionamento de procedimentos de regularização fundiária conduzidos pelo Incra.

Na avaliação da antropóloga, a lentidão dos processos se intensificou com a publicação da IN nº 49/2008. "Por meio dessa medida, o governo patrocinou um dos maiores retrocessos no que diz respeito à garantia dos direitos territoriais das comunidades quilombolas", opina Daniela.

A eleição do presidente Lula, relembra a antropóloga da CPI-SP, encheu o movimento quilombola de expectativas. "Imaginava-se que a questão da reforma agrária, bem como a garantia dos direitos das populações afro-descendentes tomaria outros rumos", completa.

O Decreto 4.887, de 2003, foi recebido como um avanço para o setor - "uma sinalização positiva de que o governo iria agilizar o cumprimento do artigo 68 da Constituição Federal", segundo ela. Porém, na avaliação da entidade, o quadro se inverteu por conta da IN nº 49. "Titular uma terra quilombola tornou-se uma tarefa ainda mais difícil de ser cumprida. Até o momento, nenhum território quilombola foi titulado também em 2009".

Processos administrativos
Dados de dezembro de 2008 apontam que somente 220 dos mais de 600 processos abertos pelo Incra tiveram algum andamento. O restante apenas recebeu um número de protocolo. "O Incra não tem realizado as titulações, tampouco conseguido avançar na condução dos processos de regularização das terras quilombolas", destaca trecho do documento "Terras Quilombolas - Balanço 2008", elaborado pelo CPI-SP

Em 2008, apenas 10 portarias de reconhecimento de terras quilombolas foram assinadas pelo Incra. A assinatura da portaria é o ato que encerra o processo de identificação do território a ser titulado e reconhece os limites da terra quilombola em questão. Depois da assinatura, o Incra deve tomar as medidas práticas (desapropriação, reassentamento) para a titulação. Segundo dados doRelatório de Gestão do Programa Brasil Quilombola 2008, do governo federal, o Incra publicou 14 portarias.

O número de relatórios técnicos de identificação e delimitação (RTID) também diminuiu em 2008. Foram publicados apenas oito relatórios até o mês de setembro, menos da metade do que foi registrado em 2007. Outros seis RTIDs divulgados em 2008 são republicações de anos anteriores.  

A verba destinada ao Incra para a regularização fundiária de territórios quilombolas quase triplicou nos últimos quatro anos. Em 2004, o orçamento era de R$ 16 milhões e, em 2008, chegou a mais de R$ 46 milhões. Contudo, só parte dos recursos tem sido utilizada.

O "Relatório de Gestão do Programa Brasil Quilombola 2008" diz ainda que "em decorrência das fases processuais não terem chegado ao estágio final, os recursos do orçamento de 2008 não puderam ser utilizados. O alto número de Portarias de Reconhecimento publicadas em 2008 aponta para o fato de que, no ano de 2009, a execução dessa ação deve se efetivar".

A situação se estende também a outros programas federais destinados as comunidades remanescentes de quilombos, como é o caso de programas relacionados à cultura. Em 2008, mais de R$ 20 milhões foram autorizados para fomentar projetos da cultura afro-brasileira, mas apenas 2 milhões foram liquidados, segundo dados da Execução Orçamentária 2008. A Repórter Brasil entrou em contato há mais de 15 dias com a assessoria de imprensa do Incra e da Fundação Palmares para obter as posições dos órgãos federais, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.

(Por Bianca Pyl, Repórter Brasil, 23/04/2009)


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